Fatinha

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Londres 2012

In humor on 28/07/2012 at 9:18 AM

Querido Brógui,

Ontem assisti parte da abertura dos jogos olímpicos. Não gosto dessas cerimônias, você sabe. Acho-as uma cafonalha cibernética e pirotécnica chatíssima. Mas, como foi em Londres… abri uma exceção. Obviamente, não aguentei muito tempo, dei uma saída pra fazer umas comprinhas urgentes (lembra? farmácia e hortifruti?). Então: fui e voltei e a parada continuava, apresentando as delegações, todos os atletas com câmeras digitais nas mãos ao invés das célebres bandeirolas do seu país.

Pra não dizer que eu sou enjoada, gostei do acendimento da pira. Prometeu deve estar pensando que até que vale à pena o suplício de ter seu fígado comido todos os dias. Ok. Você esqueceu do mito grego. Faço um breve resumo: Prometeu era um Titã, guardião do fogo. Simpatizante dessa causa perdida que somos nós, mortais, ele traiu a confiança dos deuses e nos entregou uma chama. Pela traição, foi punido por Zeus e jamais perdoado.

Quem estava com a razão? Zeus, autoritário, ao proibir que o fogo sagrado fosse compartilhado conosco, meras criaturinhas frágeis ou Prometeu, todo bonzinho, mas que foi o primeiro vira-casaca que se conhece na história? Há que se pensar, principalmente quando vemos que os mortais, mesmo que nascidos no Reino Unido, continuam fazendo caca, ou cometendo gafes – que é uma maneira mais elegante de dizer a mesma coisa.

A primeira delas foi aquela de mostrar a bandeira da Coreia do Sul no jogo de futebol feminino do qual participaria a Coreia do Norte. Também confundiram regiões ucranianas, dizendo que eram russas, chamaram um galês de inglês, ou seja, nessa barafunda de povos, países que separam aqui e juntam ali, etnias, bandeiras e hinos, o menos complicado deve ter sido acender a pira.

Torço para que tudo dê certo. Nutro uma especial simpatia pelos oriundos daquela ilha. E Londres… ai, ai… é o meu xodó.

Relatório de alta

In humor on 27/07/2012 at 2:49 PM

Querido Brógui,

Papai foi liberado, já estamos em casa e, depois de tudo devidamente acomodado, fui ler o relatório de alta. Diagnóstico: urgência hipertensiva. Comorbidades: HAS, DM, IRC conservadora. Hein? Prossegui: Paciente hipertenso, diabético, renal crônico. Isso eu entendi: o velhinho tá bombardeado mesmo.

BAV de 1º grau. Hein? É algo relacionado ao eletrocardiograma. Se é 1º grau, deve ser o menos pior na escala richter.

Alteração de repolarização ventricular. Hein? Ventrículo não é aquela coisinha no coração? Repolarizou. Não sei o que isso significa, mas deve ser aquilo que a fraldinha falou: batimento cardíaco invertido. Sabia que o coração inverte batimento? Deve ser que nem surdo de bateria: um bate e o outro responde. Quando inverte, um responde e o outro bate. Isso é bom?

Marcadores de necrose miocárdica negativos. Entendi a palavra “negativos”. Isso deve ser bom.

Função sistólica global e segmentar de VE preservadas. Hein? Gúgol me disse que tem algo a ver com insuficiência cardíaca. Isso é ruim.

Quer saber? Melhor parar de querer entender – a ignorância, às vezes, é uma bênção.

Peguei a dieta da nutricionista pra olhar. São quatro páginas. Três delas informam o que ele não pode comer. Sim, porque há duas dietas: uma para a hipertensão e outra para o diabetes. Por curiosidade, comparei as duas. Alguns alimentos são proibidos em ambas. Outros, proibidos em uma e liberados na outra. Fazendo a interseção delas, resta muito pouco. Papai vai viver de ricota, peixe e luz.

Próximo passo, os medicamentos. Foram adicionadas mais duas drogas e otimizadas outras cinco. Terei que refazer a tabela. É, Brógui, tem um uma tabela de minha criação com horários, dias, tudo bonitinho, com um espacinho pra colocar um X quando tiver ingerido o comprimido – senão corre o risco de pular algum e tomar duas vezes o outro.

Então, tá tudo bem. Mamãe também tá bem, a cardiologista disse que ela deve ter tido aquela subida de pressão por causa da situação. Resumindo: “pobrema de neuvo”. Eu tb tô bem, minha pressão tá baixinha, como sempre. A minha gripe veio e foi. Nem deu tempo de tomar remédio.

Vou agora dar um pulinho na farmácia, no hortifruti e aproveitar pra comprar um sapato novo – que eu também sou filha de Deus.

No hospital

In humor on 26/07/2012 at 4:54 PM

Querido Brógui,

Papai baixou no estaleiro na madrugada de segunda pra terça. Pressão alta, ora controlada. Pelo que pude apurar junto aos “fraldinhas” – médicos bebês com aquela carinha assutada de quem tá com medo de fazer caca fora do caco – papai correu o risco de um AVC, enfarte e congêneres, visto que foi uma subida de pressão assintomática. Hein? Assintomática, sem sintomas. Ele não sentiu nada, nem dor no peito, nem falta de ar, nem confusão mental, nem dormência nos membros, nadinha. Graças ao fator hipocondria, ele mede a pressão a cada dois segundos e estranhou o fato de ela se mostrar elevada e resolveu procurar um hospital.

Fui acordada pela mamãe, já pronta, avisando que eles iam pegar um táxi até a emergência e que eu podia continuar dormindo. Como assim? Tico conseguiu processar a informação surreal, enquanto Teco puxava o edredom até o pescoço. Tico deu um bico na canela de Teco e os dois conseguiram me empurrar pra fora da cama, colocar uma calça jeans, um tênis absurdamente imundo, mas que eu me recuso a jogar no lixo, e uma camisa manchada de tinta de cabelo. Ainda com um olho aberto e o outro fechado, fiz uma caneca de café e dirigi até o hospital.

O atendimento foi rápido, deram logo um sublingual, a médica falou que ia pedir a internação na UTI, mas lá não tinha vaga e daí até a transferência dele pra outra unidade hospitalar passaram-se cerca de dez horas. Vamos pular a parte do absurdo que pagamos por planos de saúde. Também vou pular a parte da minha neurose de, às cinco horas da manhã, mandar um email pro meu gerente, toda sem-graça, avisando que não ia poder trabalhar. Também vou pular a parte de que meu celular resolveu ficar sem bateria no meio da confusão e da minha preocupação com a possibilidade de o Tigrão ser rebocado.

Viemos em uma ambulância mais maltratada que um coletivo, sacolejando e sem ar condicionado. Já na UTI, papai preocupava-se em saber “cadê sua mãe” e pedir “não liga pro seu irmão pra ele não ficar nervoso”, além de ficar se contorcendo no leito pra enxergar aquela televisãozinha que fica monitorando a pressão e os batimentos cardíacos. Lá pelas tantas, fui expulsa do recinto e me acomodei numa poltrona na recepção.

De lá pra cá… alta na UTI, transferência pro quarto, liguei e mandei milhões de mensagens pro trabalho, fui em casa buscar a muleta e esqueci o pijama. Pra coroar, todo o meu pobre corpinho está dolorido, acho que por conta de ficar cochilando que nem uma sem-teto na tal da poltrona, além de desfrutar do confortabilíssimo sofazinho de acompanhante.

No mais, tudo bem. Administrando a complicada logística familiar que inclui cuidar de um velhinho internado e ao mesmo tempo cuidar para que a velhinha não venha parar no hospital. Quem tem pais idosos sabe como é isso e como dá vontade de nocautear os dois pra ver se param de complicar as coisas. A velhinha foi enfiada quase à força dentro de um taxi e o velhinho não para de perguntar por ela. O que fazer? Sem ela, a pressão dele sobe. Com ela, a pressão dela sobe. Com os dois juntos, a minha pressão sobe. Meu irmão ainda queria pegar um avião e vir pro Rio, pra aliviar minha barra. Só que tem um pequeno problema de 5 anos que está de férias e teria que vir junto. Tá maluco? Vou ter que dar conta ainda de uma criança? Tô fora. Melhor do jeito que está.

Estou aproveitando pra colocar minha leitura em dia, já que aqui a televisão só pega um canal. Aquele canal. Li um romance que mamãe comprou e que, cá pra nós, é de matar qualquer diabético de hiperglicemia, mas era a única coisa que tinha à mão. Hoje lembrei de trazer o Nelson Mandela,a Revolução dos Bichos e o note. Tô pra lá de armada para enfrentar o tédio.

Pra não dizer que não falei de flores, mamãe acabou de telefonar. Está indo ao cardiologista porque mediu sua pressão e tá 16. Que Deus me ajude!

Tigrão tá dodói

In humor on 09/07/2012 at 7:50 PM

Querido Brógui,

Tigrão baixou na oficina. É, apesar de ele ter pouco mais de cinquenta mil quilômetros rodados, é um jovem senhor de sete anos, recém completados. Uma máquina quase virgem de batidas – eu tenho o péssimo hábito de catar meio-fio e buracos pelo caminho. Tirando isso, nenhuma colisão – quer dizer, quase nenhuma, ele tem uma cicatriz de quando foi atropelado por uma bicicleta, parado na porta de casa. É relativamente bem cuidado, apesar de só tomar banho uma vez a cada quinze dias. Alimenta-se regularmente e não carrega muito peso.

Mas, vamos e venhamos: eu, humana, sinto o peso e as transformações da idade, com a decrepitude dela decorrente. Tigrão também, com algumas poucas diferenças. Eu vou pro hospital, Tigrão vai para a oficina. Eu pinto as unhas e os cabelos, Tigrão troca peças. Eu uso cosméticos, Tigrão leva polimento. Eu bebo Coca-Cola, Tigrão bebe gasolina.

Ele apresentava, há algumas semanas, um barulhinho anormal. Um inc-inc, que se transformou num nheco-nheco, que virou um bloft-bloft. Bloft-bloft foi demais. Acho que pode ser algo grave, pensei. Levei-o até a oficina. Deixei-o lá para um atendimento emergencial com o mecânico da família.

Liguei, como uma mãe neurótica, quatro vezes durante o dia para saber do diagnóstico. Nãoseioquê axial. Ou braxial. Sei lá. Assim, de sopetão, o mecânico me informou. Hein? Ele repetiu e explicou. Hein? Ele repetiu, explicou e detalhou. É alguma coisa na direção, entendi.

É grave? Ele ainda está no elevador. Vou ter que desmontar. Desmontar? Tudo? Não, só a parte da frente. Fica pronto hoje? Não. Vai ter que ficar.

Tigrão, tadinho, sete anos de idade, nunca dormiu fora de casa. Um pernoite desagradável, numa noite de frio, longe de sua garagem aconchegante. Deve estar se sentindo muito triste, sozinho naquela oficina escura, cercado por um monte de carros desconhecidos, para amanhã ser futucado por pessoas que ele nunca viu.

Durma bem, Tigrão. Mamãe vai rezar pra vc ficar bom logo e voltar pra casa.

Síndrome de Burnout

In humor on 06/07/2012 at 10:57 AM

Querido Brógui,

Minha musa inspiradora de hoje foi Maria Candida, que me enviou a cópia de uma Lei, de autoria do vereador Marcelo Piuí (nome que é uma piada pronta), e que institui a Campanha Permanente sobre a Síndrome de Burnout. O que vem a ser isso? Perguntei a mesma coisa para o Senhor Gúgou, amigo de infância de 99% dos ignorantes (o 1% é o ignorante que nem foi apresentado ao Gúgou).

Gúgou me disse que Burnout é um tipo de estresse ocupacional que acomete profissionais envolvidos com qualquer tipo de cuidado em uma relação de atenção direta, contínua e altamente emocional. Fiquei na mesma e continuei lendo o artigo. Os sintomas são exaustão emocional, despersonalização e baixa realização pessoal no trabalho (gostei da parte da despersonalização). Fiquei preocupada, tendo em vista que duas vezes por semana sou exposta ao ambiente insalubre da sala de aula e que muitas amigas queridas o são diariamente. Continuei a leitura.

“Perrenound (1993) diz ser a profissão docente uma “profissão impossível”. Ok. Posso atestar isso. Farber (1991) diz que “os professores sentem-se emocional e fisicamente exaustos, estão freqüentemente irritados, ansiosos, com raiva ou tristes. As frustrações emocionais peculiares a este fenômeno podem levar a sintomas psicossomáticos como insônia, úlceras, dores de cabeça e hipertensão, além de abuso no uso de álcool e medicamentos, incrementando problemas familiares e conflitos sociais”. Céus! Ser professor é mais perigoso que trabalhar numa usina nuclear e mais pesado que ser estivador. Eu me vi em todas as características, exceto o abuso no álcool e medicamentos. O resto… Tô dentro.

Um professor é uma bomba relógio prestes a explodir, com um agravante: tem que ficar segurando o pino da bomba porque, se ela explodir, ainda vai preso, acusado de assédio, violência contra menores, racismo e sei lá mais o que, afinal de contas, o pobre aluno é apenas uma vítima desse ser descompensado, mal remunerado, desequilibrado, malvado, antiecológico.

Continuei a leitura, já com as mãos trêmulas. “Professores possuem expectativas de atingir metas um tanto ou quanto irrealistas, pois pretendem não somente ensinar seus alunos, mas também ajudá-los a resolverem seus problemas pessoais.” “Metas um tanto ou quanto irrealistas” é um eufemismo ímpar. As metas são surreais. Além disso funcionamos, sem qualquer treinamento especial, como psicólogos, assistentes sociais, pais de santo, fonoaudiólogos, babás, carcereiros e saco de pancada. Um combo promocional, já que nossos serviços são prestados por um precinho de liquidação de fim de estação.

Sigamos. “A falta de autonomia e participação nas definições das políticas de ensino tem mostrado ser um significativo antecedente do burnou.” Sem mais comentários. Quem trabalha no Rio de Janeiro sabe o que é ser levado ao sabor das trocas de governo. Às vezes nem precisa trocar o governo, são dadas ordens e contraordens e quando a gente acha que entendeu, muda de novo.

Não consigo parar de ler. “A relação com familiares dos alunos, de acordo com Abel e Sewell (1999), também se mostra muitas vezes problemática e estressante, seja pela falta de envolvimento deles no processo educacional – acreditando serem a escola e o professor os únicos responsáveis pela educação dos filhos – seja pelo excesso – acreditando ser o professor incompetente e inexperiente e, muitas vezes, o causador dos problemas apresentados pelo aluno.” Na mosca! O aluno não aprendeu? Culpa do professor. O aluno deu na cara de outro aluno? Culpa do professor. A aluna fica grávida? Culpa do professor. (Isso é real. Uma escola aqui do Rio não atingiu a meta para o abono porque tinha muitas alunas adolescentes grávidas).

“O professor sente que seus esforços não são proporcionais às recompensas obtidas e que futuros esforços não serão justificados ou suportados.” Isso chama-se “jogar a toalha”, “pedir penico”, “bater no tatame”. Normal na profissão. Daí, alguns como eu, chutam o balde e saem do magistério. Conheci uma que fui ser carcereira num presídio feminino, disse que era mais tranquilo.

No mais, digo que conheço muitas vocacionadas (eu sou uma delas). Umas permanecem brigando para a coisa dar certo, outras já desistiram e estão só cumprindo tabela, outras estão aposentadas pela psiquiatria. Não conheço nenhuma feliz na profissão.

PS: quem quiser ler o texto que citei, procure “A SÍNDROME DE BURNOUT E O TRABALHO DOCENTE” de Mary Sandra Carlotto.