Querido Brógui,
E lá pelas tantas da manhã, alvoroço em casa: havia entrado voando, pela porta da cozinha, um passarinho. Tadinho… Desorientou, perdeu o rumo e acabou dentro de casa. Onde ele está? Não sei, não vi. Demos uma olhada, e, como não o encontramos, caso encerrado. Deve ter saído pela janela.
Tô ouvindo um pio. É o passarinho. Ele ainda deve estar aqui dentro. Eu não tô ouvindo nada. Nem eu. Mas eu estou. Levantei do sofá, olhei nos cantinhos, ele deve estar encurralado em algum lugar. Nada. Nenhum rastro.
Tão ouvindo? É o passarinho. Tá doida? Eu não tô doida. Falo sozinha, mas ainda não estou ouvindo vozes. Nem pios.
Almoço. E agora? Ouviram? Agora ouvimos. Cadê o bendito passarinho? Procura, procura, procura. Vai ver que estamos ouvindo ele cantar lá fora, pensando que está aqui dentro. É. Deve ser isso.
Quem quer um docinho? Eu! Oxe! Olha quem está aqui! O passarinho! Na prateleira do móvel da sala. Escondidinho. Eu não vou tirar porque tenho medo. Pode deixar que eu tiro. Não precisou. Num rápido e corajoso movimento, saiu o bichinho voando, direto janela afora.
Ficou horas ali, assustado, sem conseguir sair da cilada em que se meteu. Preso sem estar preso. Como muitas vezes ficamos. Como o passarinho de hoje, ficamos presos, apavorados, sem ver uma saída, quando ela é simples. É só sair voando. É só vencer a paralisia que o medo nos traz.
Claro que o medo é saudável, é necessário, é sobrevivência. Mas se desmesurado, embota, bloqueia o raciocínio, trava tudo, inclusive a visão da saída. Aquela janela que está bem na nossa frente, como estava a janela libertadora do passarinho, não é enxergada, ou fica longe demais, ou difícil demais. Aí, corremos o risco de acabar nos acostumando com aquela prateleira, com o desconforto, o medo torna-se parte de nós. Acabamos por esquecer que um dia quisemos sair voando. Esquecemos de que podemos voar, como é gostoso ser livre, o quanto perdemos por não nos arriscar (mesmo que só um pouquinho, um risquinho calculado que seja).
Olha só, passarinho: você me fez me lembrar de mim. Escapei de uma prateleira há pouco tempo. Olhei para a janela, respirei fundo e me lancei. Com o coração disparado, achando que talvez não fosse conseguir, mas abri minhas asinhas e voei.
PS: Tá, Querido Brógui… Eu sei que a metáfora foi pobre, mas dá um desconto porque há muito não escrevo. Tô meio enferrujada. Não serei como o personagem descrito por Fernando Sabino na obra “O Encontro Marcado”:
” Era um homem de certo talento, que cedo foi apanhado e se mediocrizou. Agora está tentando achar o caminho e não consegue, porque para descobrir o caminho para o talento, é preciso talento.”
Eu não me mediocrizei. Vou descobrir meu caminho de volta.