Fatinha

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No mundo de Maneco

In humor on 29/09/2009 at 9:14 AM

Querido Brógui

Não sou noveleira, há anos que não acompanho uma delas, mas sei da predileção de Manuel Carlos pelas Helenas e pelo Leblon. O mundo de Maneco está compreendido entre os quarteirões que compõem o tal bairro da Zona Sul do Rio, abrindo exceção honrosa à cidade de Búzios por se qualificar na categoria de oásis dos felizardos que podem pagam por isso.

Hoje de manhã fui levar mamãe para fazer um exame de tiróide (ou é tireóide?) em um laboratório na rua principal que corta o mundo de Maneco. Por que nós, moradoras de Vila Isabel, fomos parar lá? Ora, porque o plano de saúde só autorizou a realização do procedimento naquela filial, não obstante tenha outras em regiões menos nobres.

O choque de (i)realidade, veio quando dei aquela paradinha na porta do prédio para despejar minha santa mãezinha. Antes que eu colocasse o veículo em ponto morto, já tinha um serviçal abrindo a porta para que ela desembarcasse. Deu o braço a ela e a foi conduzindo. Hein? Abrir porta do carro? Ser gentil com senhoras de idade? Só no mundo de Maneco.

Fui estacionar e, ao retornar, parei na calçada para observar a fachada do edifício. Toooodo espelhado. Aproveitei para arrumar o cabelo. Cheguei à entrada, um camarada de terno abriu a porta para mim e me deu bom dia. Hein? Porteiro de terno? Abrindo a porta? Dando bom dia? Só no mundo de Maneco.

Entrei no saguão. Indescritível. Enooooorme, liiiiiimpo, iluminaaaaado. Todas as funcionárias uniformizadas, cada qual com seu modelito, de acordo com a sua função, cabelinho preso num coque, sorriso nos lábios. A chefa da recepção se dirigiu a mim, querendo saber se podia me ajudar. Indicou-me a porta do elevador e disse que a senhora minha mãe estava no segundo andar me aguardando. Hein? Recepcionista educada? Só no mundo de Maneco.

Subi e antes de procurar a senhora minha mãe, entrei no toalete. A lâmpada acendeu sozinha assim que entrei e senti aquele cheirinho de desinfetante. O piso era lindo de morrer, brilhando que nem um espelho, que por sinal parecia aqueles de camarim de artista. Tinha papel higiênico, sabonete, álcool gel e tudo. Hein? Banheiro limpo? Papel higiênico? Sabonete? Álcool gel? Só no mundo de Maneco.

Fui procurar minha santa mãezinha e, no caminho, tinha um balcão com uma mocinha vestidinha de copeira servindo café expresso, chocolate quente e biscoitinhos. Eu, acostumada a pagar até pra respirar, fiquei procurando a lista de preços. Era 0800, Brógui. Já cheguei perto de minha mãe com um cafezinho pra ela e um chocolatinho pra mim. Hein? Café expresso e chocolate quente “de grátis”? Só no mundo de Maneco.

A sala de espera era ampla, com uma baita de uma televisão de LCD passando um documentário sobre a vida marinha no arquipélago de sei lá onde, as poltronas confortáveis e um batalhão de atendentes que reduziram o tempo de espera a quase nenhum. Hein? Documentário na televisão, poltrona confortável, espera zero? Só no mundo de Maneco.

Aí, Brógui. Deslumbrei geral. Pensei até em me mudar de mala e cuia praquele laboratório, mas acho que no mundo de Maneco isso não deve ser permitido.

Pegando a senha

In humor on 22/09/2009 at 2:06 AM

Querido Brógui,

Fui incumbida de pegar os convites para as crianças assistirem a um evento infantil de gracê. Ok, tudo bem, madrinha tem que assumir os seus ônus. Como frequento a academia do shopping, até que não foi uma missão tão impossível assim, bastou sair cinco minutos antes da dez horas, atravessar o corredor e me postar na fila. Como as portas ainda não tinham sido abertas, fiquei sentadinha aguardando.

Quando o relógio marcou dez horas, os seguranças já estavam a postos, a equipe de recepção também e eu também. De repente, o chão começou a tremer, os lustres balançaram, as paredes racharam e ouvi uns gritos estridentes. Eram as crianças correndo para entrar na fila. Vindas de todos os lados, brotando do chão, caindo do teto, uma coisa assustadora.

Eu falei pro rapaz: “Pelo amor de Deus, me atende logo que eu quero sair daqui. Morro de medo de criança!!” Tarde demais, elas já haviam chegado.

Tadinhas, verdade seja dita: entraram na fila direitinho, nem me empurraram. Mais educadas que as mães que passavam por baixo da cordinha e do infeliz que entrou na minha frente na maior cara dura. Não, não armei barraco, tinha mais de um terminal para pegar a senha. Imagina se eu tivesse que me atracar com o cara que era o dobro do meu tamanho?

Peguei a senha e saí tranqüilamente, cantando enquanto olhava para os fedelhos na fila: “Eu te-nho, você não te-em! Eu te-nho, você não te-em!”

A decrepitude, o braço curto e o multifocal

In humor on 18/09/2009 at 7:57 AM

Querido Brógui,

Observando rigorosamente o método dedutivo – ou será indutivo? – finalmente cheguei à conclusão da minha tese acerca dos discretos sinais de envelhecimento. Nada a ver ficar mirando cabelos brancos, rugas e coisas afins. Refiro-me aos pequenos sinais, aqueles quase que imperceptíveis, mas não para mim. Minha teoria está amplamente embasada em observações de campo, documentada e agora será devidamente publicada.

Quando o ser humano (ou como meus alunos escrevem: serumano) está na sua fase madura (ou seja: pra lá dos quarenta) torna-se evidente uma limitação quanto ao tamanho dos seus membros superiores. Hã? É. Podemos entender a questão sob a ótica matemática: a distância necessária entre os olhos e os pequenos objetos obedecem a uma razão diretamente proporcional, ou seja, quanto mais velho for o cidadão, mais esticado deverá ser o braço. Compreendeu?

Se a criatura tiver a felicidade de já estar vivendo o segundo tempo do seu jogo, chegará a hora na qual, por mais que estique o braço, seu comprimento não dará conta de dar o foco na imagem. Isso acontecerá em especial em se tratando de bula de remédio, cardápio de restaurante, preço das mercadorias do supermercado e teclas do celular. Tá acompanhando meu raciocínio?

Veja bem (mesmo que precise usar óculos para isso): o problema não está nos olhos, está no tamanho do braço. Isso seria facilmente resolvido caso existisse uma prótese de extensão de braço, o que não existe, talvez porque seja muito mais prático, menos cansativo e mais inteligente carregar um singelo oclinhos na bolsa, a carregar um braço postiço. Isso desconsiderando o fato de que, quanto mais cegueta fosse a pessoa, maior seria o tamanho do trambolho.

Também poderíamos ser dotados da mesma capacidade que possui o homem-elástico do Quarteto Fantástico (ou a mulher-elástico de Os Incríveis). Assim, era só ir esticando, esticando, esticando… Nada de óculos, nem de extensores braçais.

Mas, o X da questão é que, o simples gesto de espichar o braço para ler, já denuncia a quantas anda a nossa decrepitude. Pelo tanto de esticamento, dá para se aplicar uma fórmula e calcular com precisão a idade de qualquer um (deve haver uma fórmula, não é? Tem fórmula pra tudo). É batata, como diria Nelson Rodrigues.

Por que eu estou publicando minha tese logo hoje? Porque ontem comprei meu primeiro multifocal. É um marco na minha vida e que custou os olhos da minha cara (não, custou muito mais do que isso, porque meus olhos não valem lá grande coisa). Escolhi um modelo bacaninha, pechinchei horrores, mas não consegui ainda me habituar com ideia de que a natureza me armou mais essa cilada.

O pedido de desculpa

In humor on 15/09/2009 at 5:55 AM

Querido Brógui,

Hoje de manhã, depois de uma emblemática sessão-esporro em sala de aula, veio um menino (que, por sinal, é a cara do Plancton), me abraçou e disse: “Desculpe, professora, a senhora é maneira pra ca_ _ _ _ _ , não merece ficar zangada desse jeito, isso envelhece.”

Emocionada, com os olhinhos marejados, retribuí o abraço e, sem descer do salto, disse com a voz embargada: “Tudo bem, mas da próxima vez, vê se tira o ca_ _ _ _ _ da boca antes de pedir desculpa.”

Viva o ócio

In humor on 13/09/2009 at 11:41 PM

Querido Brógui,

Hoje eu me dei conta de que nada escrevi durante esse mês de setembro. Isso me deixou meio que chocada, não pela ausência de inspiração – isso é normal – mas porque perdi a noção do tempo. O vácuo criativo foi mais longo do que eu pensava e eu – mais uma vez – constatei que o tempo está passando mais rápido e eu não estou dando conta de acompanhar o seu passo.

Meditei arduamente por vinte e cinco segundos, tentando compreender o fenômeno e todas as explicações que já ouvi acerca disso. É, porque não sou apenas eu que falo: “Nossa! Como o tempo está passando rápido!”

Já ouvi dizer que tudo é culpa da modernidade. Que a velocidade e a intensidade das informações que recebemos faz com que nosso cérebro fique tão ocupado que não temos tempo de olhar o tempo passar. Também tem aquela coisa do excesso de obrigações que não nos permitem respirar com calma, nem comer com calma, nem dormir com calma. Outro dia me disseram que a Terra está girando mais rápido e fiquei imaginando como seria ser ejetada da superfície.

O fato é que não vemos o tempo passar porque não temos tempo de ver o tempo passar. Profundo, não? Eu que inventei isso. Somos ocupados, mas também não nos damos ao direito de não sê-lo. Na boa? Temos é o maior preconceito contra o ócio e, quando eventualmente nos pegamos desocupados, entramos em pânico, porque, além da culpa, simplesmente não sabemos o que fazer com o tempo que sobrou. Desaprendemos a ficar de bobeira. Temos vergonha de ficar de bobeira. Aí, vamos correndo arrumar uma panela pra dar brilho, um edredon pra lavar no tanque, pegamos aqueles cinco livros para ler ao mesmo tempo, vamos decifrar o manual de instruções do eletrodoméstico, limpar os arquivos do computador, separar os sapatos para levar pro conserto, e por aí vai. É uma coisa um tanto esquizofrênica, não?

Então, em prol da sua saúde mental, vou lançar mais a campanha “Viva o ócio.” Não é “viva” no sentido de saudação, é “viva” no sentido de viver mesmo. Curtir aquele momento sem fazer nada, ficar de bobeira. Na boa, sem culpa.

Ah, mas você não tem tempo pra isso… Então, Querido, crie o seu momento-bobeira. Se for absolutamente necessário, se você só faz aquilo que sua atribulada agenda permite, reserve nela um horário para nada fazer. Não precisa de um lugar especial, não tem que acender incenso, nada disso. Basta parar tudo e ficar olhando o tempo passar. É uma delícia.

PS: achei uma explicação legal para essa coisa da passagem do tempo – embora não tenha entendido muito bem a parte inicial. Campo eletromagnético, ionosfera, hertz… Muito complexo para uma manhã de domingo. É a tal da Teoria da Ressonância Schumann. Coloquei um texto do Leonardo Boff sobre isso naquela coluna “Outras coisinhas”. Fica do lado direito da sua tela. Caso tenha curiosidade, leia (e depois me explica).

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