Fatinha

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Sem limite

In humor on 21/09/2023 at 9:22 PM

Querido Brógui,

Hoje, após ir pra academia, resolvi ir pra praia. Dada a novas descobertas, pensei que poderia ir caminhando para o lado oposto ao que estava acostumada a ir, pra ver qualé. Assim o fiz. Oito mil passos depois, me dei conta de que precisava voltar. O que significaria mais oito mil passos pra trás.

O que são oito mil passos ? È algo em torno de seis quilômetros. Em se considerando que eu já havia caminhado quatro quilômetros na esteira e mais um tanto pq me perdi no caminho de ida, significa que andei pra caraio.

Quando resolvi parar na pracinha pra sentar um pouco, peguei-me a refletir acerca na minha falta de simancol. Ou a minha falta de limites, ou a incapacidade de estabelecer um nível razoável de equilíbrio no que faço. Não sempre, claro, mas isso também não é incomum.

È mais ou menos assim: como até explodir, ou passo um dia inteiro só bebendo água. Durmo demais ou fico insone. Faço coisas pra caramba ou passo o dia inteiro sem fazer porra nenhuma. Morro de preguiça de fazer atividade física ou imploro pro meu personal me dar mais uma série pra eu fazer nos dias que ele não me dá aula.

É uma coisa meio equisita, sabe? Tanto que eu estudo sobre equilíbrio, temperança. Todo mundo diz que eu sou sensata, que não sou apaixonada, sou blasé. Acredito firmemente naquela coisa chinesa de que a virtude está no caminho do meio, yin yang, blá blá blá.

Não sou tresloucada, mas também não sou equilibrada. Não nesse aspecto. Meto o pé na jaca mesmo, me acabo, passo mal. Parece que fico meio sem freio. É isso. Não é desequilíbrio, é falta de freio. Vou indo, vou com sede, vou com desejo insaciável de viver aquele momento até sua última gotinha, mesmo que depois eu fique na merda total, o que acontece quase sempre. Mas é uma merda total legal, com aquele gostinho de que aproveitei, que fiz por merecer o dom da vida e que fiz o que tava a fim e que foram instantes que meu corpo pediu por isso ou que minha alma pediu por isso.

Na boa? Eu posso estar só de passagem por este planetinha, mas vou levar comigo muitas lembranças.

Indo

In humor on 18/09/2023 at 3:18 PM

Querido Brógui,

Embarcar è meramente a culminância de tudo.

Viajar é viver. Sozinha, acompanhada. Com sol, chuva, neve, qq coisa.

Meu bichinho viajante acordou de novo. E, com ele, aquele friozinho gostoso na barriga de me mandar por aÍ. A curtiçao de arrumar a mala, programar os passeios, sonhar.

Tudo bem que agora, no alto dos meus 50 anos, a parada é menos heavy metal, menos mochilão e mais malinha de mão, menos pousadinha e mais 3 estrelas, mimos e confortos com os quais posso me brindar.

Não sabia bem pra onde ir, fiquei como barata tonta batendo chifre (ops, barata não tem chifre) catando roteiros pica das galáxias para fazer minha primeira viagem nesta terceira encarnação.

Obs primeira encarnação como professora, segunda como servidora do MPRJ, terceira como aposentada. já vivi tantas vidas!

Fato é que percebi que estava ansiosa pra relaxar, o que é, no mínimo, uma maluquice. O planejamento da mega viagem, que ainda sairá, não estava sendo um prazer, estava se transformando numa obrigação, numa fonte de stress.

Parei tudo. Peraí. Eu não tenho que. Eu não preciso de. Eu não sou obrigada a. Dei-me uns tapas e baixei a bolinha.

Tudo bem que o início da minha terceira vida foi algo pelo qual sofri e chorei e suei anos. Não só apenas os anos de trabalho, mas anos juntando documentos daqui, abrindo processos dali, batendo de porta em porta nos tortuosos corredores da burocracia. Então, quando finalmente começo a viver esta encarnação, dá um certo desespero. Uma coisa meio bezerro solto no pasto. Daí pra pico de ansiedade é um pulinho.

Mas, como disse, baixei minha bolinha e começarei com algo mais básico, mais familiar, mais tranquilo.

Vou começar pela minha terrinha. Revisitar minhas origens e sentir cada vez mais forte o laço que me une a Pernambuco.

Mamãe era pernambucana, então me dou ao direito de me achar meio pernambucana também. Adoro o sotaque, as comidas, o artesanato, as músicas, as danças, os sítios históricos, a paisagem. Amo ser pernambucana, tanto quanto amo ser carioca.

Então, para acalmar meu bichinho viajante ansioso, vou pra lá. Realizar mais um sonho, que é conhecer Fernando de Noronha. Na calma, com tempo pra chamego com minhas primas, fazer trilhas, pegar sol.

Vou desconectar dos problemas cotidianos e me conectar com o prazer de estar viva, plena, com saúde, bonita e crocante.

Vou me sintonizar com boas energias e deixar pra trás os gatilhos emocionais que me fazem mal.

Se der, mando notícias. Estou indo munida do meu tablet poderoso, mas não sei se vou ficar a fim de ficar on line. Acho que não.

UM ANO SEM ANDRÉ

In humor on 13/09/2023 at 10:56 AM

Querido Brógui,

Impossível não amar André. Nos conhecemos na escola, calhou de pegarmos os mesmos horários e logo fizemos um grupo divertidíssimo. Isso foi na época em que ainda conseguíamos ter “tempo vago” e fortalecer os laços de amizade com colegas e alunos.

Fazíamos churrascos no pátio depois do horário. Celso trazia o violão, que tocava muito mal, mas era bom. Cantávamos “Stand By Me” até cansar.

As lembranças são tantas, e sempre alegres.

André vivia com leveza. Não levava a vida cruel muito a sério. Tinha uma máximas que aprendi com ele e de vez em quando repito para mim. Não dava a mínima pra dinheiro, mas gostava de se aproveitar dele, curtindo o prazer de gastar fazendo viagens com a família, tomar seu chopp, vivendo a vida.

“Quando eu morrer, vou estar um mês na frente do Itaú.” Isso ele falou quando questionei essa história de cheque especial.

“Não tenho dinheiro, mas tenho crédito.” Quando roubaram seus cartões e meteram um monte de compras com valor altíssimo.

“É simples assim.” Quando finalizava uma discussão profunda.

Quando Claudinha começou a dirigir e comprou uma Fiat que tinha só uma luz de ré, ele disse que carro barato era uma merda. Economizavam numa lâmpada, imagine no resto.

Denise comprou um carro sem ar condicionado quando se separou. “Carro sem ar condicionado? Quando dava a mais na prestação? Por que não me disse? Eu inteirava pra você essa mixaria.” Generoso sempre.

“Como é que é? Você chamou a mim e ao Jorge pra ir com você no caixa eletrônico pra tirar dez reais? Pra que escolta?”

Churrasquinho de gato sentados em banco de plástico na beira da Maxwell. Camarão de criadouro num restaurante lá na Barra porque era o único que não dava alergia. Pizza na esquina, no restaurante que ele batizou de “Marcinha” não lembro por que.

O nascimento de Helena e Betina. Alegria de ser pai. Passando das fraldas, às festinhas. Comparecendo e exercendo a paternidade como uma escolha. “Só tive filhos quando eu quis, não foi acidente.” O orgulho de ter meninas, tendo sido criado num universo feminino.

“Não gosto de conversa de homem. Mulher é muito mais legal.”

Seu universo feminino. Criado pela mãe, uma irmã, professor (nas escolas, a maioria é mulher), a melhor amiga Cristina. Duas filhas e a Adriana.

“Eu não namorei a Adriana. Eu casei com ela.” Depois de uma viagem pro nordeste, decidiu que ia casar com a Adriana, sua prima e a quem conhecia desde criança. Casou e ficou bem casado. “Casamento é bom.”

Preciso comprar uma coisa no shopping. “Bora. Adoro gastar o dinheiro dos outros.”

“Parei de beber depois que invadi o quarto de uma tia.” Era chegado numa birita, mas teve um episódio traumatizante do qual não lembro os detalhes, mas que culminou na sua decisão. “Parei de fumar. Mas parei com o maço no meio e deixava ele ali, olhando pra minha cara.” Decisão e força.

“Comprei um carro pra Adriana. Tinha escolhido outro, mas entrei na loja de chinelo e não veio um candango me atender. Entrei na loja do lado, peguei outro e voltei na primeira só pra dizer que preto de chinelo também tem dinheiro.” Boa!

“Não tem amor ao pau.” Sobre homens que ficam trocando de parceiras o tempo todo e sem camisinha.

Um fulano no banheiro mandou ele lavar as mãos. “Eu peguei no meu pau, não foi no seu. E lavei as mãos antes de pegar nele. Você lavou antes de pegar no seu?” Sensacional!

“Faço tudo, menos trocar fraldas. Isso é com a Adriana. Não sei.” Perguntei a ele se a Adriana tinha nascido sabendo. Ele ficou me olhando em silêncio e, na próxima vez que nos encontramos, ele falou que tinha trocado a Helena e dado uma chuveirada no bumbum dela. “Esse negócio de lencinho é muito nojento. Chuveiro no rabo é melhor.” André, sempre aprendendo e repensando, como quando disse que não queria bebê pelado dentro de casa. Perguntei se ele já tinha usado um absorvente alguma vez na vida. Multiplique o calor do absorvente pensando numa fralda. Sacou? “Saquei. Por isso que a pele fica irritada” E a criança também.

“Você parecia uma azeitona presa num palito.” Na época que eu estava muito magra e ele dizia que eu tinha um cabeção.

Não o via há anos. Não trabalhávamos mais na mesma escola e a pandemia deu mais uma quebrada. De vez em quando nos falávamos. Não tanto como eu gostaria. Sua morte me ensinou mais essa lição. Estar presente sem pensar que temos todo o tempo do mundo. Não temos.