Fatinha

Ansiedade

In humor on 24/06/2023 at 6:04 PM

Querido Brógui,

Cheguei da praia agora há pouco. Na cabeça, tomar banho, comer, tomar um café, escrever este post. Não necessariamente nessa ordem.

Saí do chuveiro e, ainda molhada, peguei o note, larguei o note, abri a geladeira e peguei uma salada de frutas. Larguei a salada de frutas e preparei a cafeteira. Coloquei no fogo, peguei de novo a salada de frutas, sentei pra comer no sofá enquanto abria a página. Cheiro forte na cozinha. Esqueci de vigiar o café, a italiana ferveu, derramou. Larguei a salada de frutas, o note, tirei a cafeteira do fogão, limpei o fogão. Sentei de novo no sofá. Esqueci de colocar o café na caneca pra beber e a salada de frutas ficou no tanque, junto com a cafeteira.

Esse foi um pequeno exemplo de como o meu, o seu, o nosso cérebro funciona. Pula de um pensamento ao outro num fluxo interminável. Não para nem quando dormimos. Eu pensava que era minha cabeça que funcionava assim, como uma característica pessoal. Tolinha! Eu não sou tão especial assim. Todas as cabeças funcionam assim, apenas alguns conseguem focar mais ou menos. Simples assim.

Quer dizer, não tão simples assim.

O problema é tornar possível viver cada momento, um de cada vez, ao invés de tentarmos ser o que chamamos de multitarefa, o que é algo impossível, para sua informação. A gente não executa várias tarefas ao mesmo tempo, nosso cérebro não funciona dessa forma. O que acontece é que nossos neurônios vão atuando em uma coisinha de cada vez, mudando de uma para a outra, pulando pra lá e pra cá, como macaquinhos. É a tal da monkey mind. Em síntese, o cérebro para uma atividade e vai pra outra, depois pra outra, depois volta pra primeira e assim por diante. Daí a conclusão: não estamos inteiros em nenhuma delas, nos perdemos, esquecemos, fazemos mal feito.

É uma dificuldade que todos temos, sinta-se à vontade com isso, Brógui. Você é normal. E essa dificuldade de viver o momento, estar plenos em cada momento, gera uns curto circuitos nos pobres neurônios, além de, emocionalmente, nos desestabilizar.

Ansiedade.

Essa é a palavrinha mágica. Carrego esse fardo exaustivo nos ombros. Esse sentimento, essa sensação me faz quicar, trincar os dentes, ficar com dor na cervical, perder o sono, perder o ritmo da respiração, ficar com a boquinha nervosa, chorar e mais uma centena de reflexos no corpo do que se passa na mente.

Essa palavrinha mágica, muito na moda atualmente. Nesse mundo esquisito que estamos vivendo, dentistas consertam dentes quebrados, psicólogos e psiquiatras tratam as causas e efeitos, neurocientistas estudam os cérebros procurando entender as conexões ou desconexões, yoga, mindfulness, meditação guiada, livros de autoajuda, drogas.

O Ocidente volta-se, tardiamente a meu ver, para o Oriente e descobre que há mais de dois mil anos o budismo traz uma explicação e, a reboque, uma solução para esta irritante palavrinha mágica. A ansiedade vem do singelo fato de não conseguirmos viver no presente ou viver o presente. Estar aqui de fato, apreciando o que está acontecendo ao invés de sofrer no futuro.

Ficar ansioso e em sofrimento porque vai gastar uma grana na obra do seu primeiro apartamento e acha pode precisar dessa grana quando envelhecer – grana que trabalhou a vida inteira pra juntar e que pode e deve ser investida para garantir que seu cantinho fique exatamente como quer – ao invés de pular de alegria exatamente por isso. Desculpaê, Brógui, você tá ansioso, em sofrimento porque está vivendo no futuro, não no presente.

Quer outro exemplo real?

Ficar ansioso porque está planejando uma viagem pensando que pode ter crise de ansiedade no caminho. Sério? Ficar ansioso porque pode ser que fique ansioso é o cúmulo do absurdo, cá pra nós. Ao invés de pensar que vai sentir desconforto porque são muitas horas de viagem, que tal pensar no destino? Não fique pensando em círculos, que vai dar problema na conexão, que vai ficar cansado e não aproveitar, que os passeios podem nem ser tão bons. Pense na experiência maravilhosa, curta os preparativos, sonhe com tudo o que vai conhecer e não sofra por antecipação porque algo pode ser que dê errado. Desculpaê, Brógui, você tá ansioso porque tá vivendo no futuro, não no presente.

O último exemplo? A cerejinha do bolo?

Deixar de viver uma possibilidade de um grande amor porque talvez, quem sabe, não funcionará como quer e então você vai sofrer. Sério? Você tá escolhendo sofrer agora, escolhendo ficar ansioso porque espera que não dê certo o que você quer que dê certo? Mais uma vez, desculpaê.

Ah! Diz o Brógui cético. Então quer dizer que você descobriu isso tudo e resolveu seu problema de ansiedade? Claro que não. Esse tipo de mudança de comportamento exige treino, comprometimento e tempo. No entanto, parte do caminho para não ficar ansioso é não ficar ansioso porque não quer ficar ansioso.

Simples assim.


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