Fatinha

UM ANO SEM ANDRÉ

In humor on 13/09/2023 at 10:56 AM

Querido Brógui,

Impossível não amar André. Nos conhecemos na escola, calhou de pegarmos os mesmos horários e logo fizemos um grupo divertidíssimo. Isso foi na época em que ainda conseguíamos ter “tempo vago” e fortalecer os laços de amizade com colegas e alunos.

Fazíamos churrascos no pátio depois do horário. Celso trazia o violão, que tocava muito mal, mas era bom. Cantávamos “Stand By Me” até cansar.

As lembranças são tantas, e sempre alegres.

André vivia com leveza. Não levava a vida cruel muito a sério. Tinha uma máximas que aprendi com ele e de vez em quando repito para mim. Não dava a mínima pra dinheiro, mas gostava de se aproveitar dele, curtindo o prazer de gastar fazendo viagens com a família, tomar seu chopp, vivendo a vida.

“Quando eu morrer, vou estar um mês na frente do Itaú.” Isso ele falou quando questionei essa história de cheque especial.

“Não tenho dinheiro, mas tenho crédito.” Quando roubaram seus cartões e meteram um monte de compras com valor altíssimo.

“É simples assim.” Quando finalizava uma discussão profunda.

Quando Claudinha começou a dirigir e comprou uma Fiat que tinha só uma luz de ré, ele disse que carro barato era uma merda. Economizavam numa lâmpada, imagine no resto.

Denise comprou um carro sem ar condicionado quando se separou. “Carro sem ar condicionado? Quando dava a mais na prestação? Por que não me disse? Eu inteirava pra você essa mixaria.” Generoso sempre.

“Como é que é? Você chamou a mim e ao Jorge pra ir com você no caixa eletrônico pra tirar dez reais? Pra que escolta?”

Churrasquinho de gato sentados em banco de plástico na beira da Maxwell. Camarão de criadouro num restaurante lá na Barra porque era o único que não dava alergia. Pizza na esquina, no restaurante que ele batizou de “Marcinha” não lembro por que.

O nascimento de Helena e Betina. Alegria de ser pai. Passando das fraldas, às festinhas. Comparecendo e exercendo a paternidade como uma escolha. “Só tive filhos quando eu quis, não foi acidente.” O orgulho de ter meninas, tendo sido criado num universo feminino.

“Não gosto de conversa de homem. Mulher é muito mais legal.”

Seu universo feminino. Criado pela mãe, uma irmã, professor (nas escolas, a maioria é mulher), a melhor amiga Cristina. Duas filhas e a Adriana.

“Eu não namorei a Adriana. Eu casei com ela.” Depois de uma viagem pro nordeste, decidiu que ia casar com a Adriana, sua prima e a quem conhecia desde criança. Casou e ficou bem casado. “Casamento é bom.”

Preciso comprar uma coisa no shopping. “Bora. Adoro gastar o dinheiro dos outros.”

“Parei de beber depois que invadi o quarto de uma tia.” Era chegado numa birita, mas teve um episódio traumatizante do qual não lembro os detalhes, mas que culminou na sua decisão. “Parei de fumar. Mas parei com o maço no meio e deixava ele ali, olhando pra minha cara.” Decisão e força.

“Comprei um carro pra Adriana. Tinha escolhido outro, mas entrei na loja de chinelo e não veio um candango me atender. Entrei na loja do lado, peguei outro e voltei na primeira só pra dizer que preto de chinelo também tem dinheiro.” Boa!

“Não tem amor ao pau.” Sobre homens que ficam trocando de parceiras o tempo todo e sem camisinha.

Um fulano no banheiro mandou ele lavar as mãos. “Eu peguei no meu pau, não foi no seu. E lavei as mãos antes de pegar nele. Você lavou antes de pegar no seu?” Sensacional!

“Faço tudo, menos trocar fraldas. Isso é com a Adriana. Não sei.” Perguntei a ele se a Adriana tinha nascido sabendo. Ele ficou me olhando em silêncio e, na próxima vez que nos encontramos, ele falou que tinha trocado a Helena e dado uma chuveirada no bumbum dela. “Esse negócio de lencinho é muito nojento. Chuveiro no rabo é melhor.” André, sempre aprendendo e repensando, como quando disse que não queria bebê pelado dentro de casa. Perguntei se ele já tinha usado um absorvente alguma vez na vida. Multiplique o calor do absorvente pensando numa fralda. Sacou? “Saquei. Por isso que a pele fica irritada” E a criança também.

“Você parecia uma azeitona presa num palito.” Na época que eu estava muito magra e ele dizia que eu tinha um cabeção.

Não o via há anos. Não trabalhávamos mais na mesma escola e a pandemia deu mais uma quebrada. De vez em quando nos falávamos. Não tanto como eu gostaria. Sua morte me ensinou mais essa lição. Estar presente sem pensar que temos todo o tempo do mundo. Não temos.


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