Fatinha

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Livros

In humor, Uncategorized on 27/08/2014 at 11:05 AM

Querido Brógui,

Cheguei no trabalho, alguns minutos para convencer o computador a ligar, olhadinha nos emails funcionais, visita ao site da livraria dos livros de papel, depois ao dos livros digitais. Ao meu lado, a biografia de Nelson Mandela e um romance de Stephen King. Esse é o meu mundinho, dentro do meu cercadinho. Entre um processo e outro, entre um telefonema e outro, leio algumas linhas – que depois tenho que ler de novo pra pegar o fio da meada.

Sigo mergulhada na vida de personagens criados por outro alguém ou nas biografias. Sabe que nunca soube criar personagens? Por isso escrevo na primeira pessoa. Já tentei contar história dos outros, mas acabo me apropriando dela e acabo falando como se fosse eu. Já houve quem me dissesse que quando me lê consegue me ver e me ouvir. Legal, né?

Leio compulsivamente e quanto maior o livro, mais empolgada fico. Adoro um tijolão. Quando é bom, fico atracada com ele como uma ostra. Já li até andando na rua – parei com isso depois de levar o maior tombão e pagar calcinha pra metade do Centro do Rio. Quando é ruim, faço algumas tentativas de vencê-lo, mas acabo por largar pra lá. Sempre tem algo legal pra ler e, dependendo do meu momento espiritual, pego um padrão “Os Miseráveis” ou um best seller qualquer que devoro em poucas horas sem que precise fazer nem uma sinapse.

O único problema deste meu vício é que não tenho mais onde guardar os livros. Como lá em casa todo mundo é meio viciado também, então, tem uma quantidade obscena de livros, tem até repetido – pode? -, tem aquele nunca lido, tem aquele com cheiro de mofo e aquele com cheirinho de tinta – já disse que queria comprar um perfume eau de livre. Conversando com uns colegas do trabalho, também leitores enlouquecidos, vi que todos têm o mesmo problema: espaço para guardar os volumes e mais volumes. Tivemos a ideia de trocar livros, emprestar, qualquer coisa deste tipo. Ainda estou pensando como executar o plano. Talvez uma lista de desejos e quem tiver empresta ou uma lista de “eu tenho” pra quem quiser pedir, ou as duas juntas, tipo uma planilha de dupla entrada. Vou ver.

Conheço muitos leitores vorazes, há quem leia de pé no metrô cheio, nas filas, na hora do almoço com o prato do lado, dentro do elevador. Fora os clássicos leitores de banheiro – sei de uma pessoa que, para não incomodar o sono do marido, se tranca no banheiro a madrugada toda pra poder ler -,  os da praia, os da pracinha. Li algo acerca de projetos que deixam livros em locais públicos para que quem quiser pegar, já vi na televisão um cobrador de ônibus que tem uma “estante” pendurada ao seu lado e os passageiros pegam os livros, lêem e depois devolvem. Boas iniciativas. Não podemos mudar o mundo, mas podemos ter alguma influência no nosso microcosmos.

Tenho uma amiga que foi assaltada e o pivete roubou sua sacolinha com o livro dentro. Ela ficou desesperada porque não ia saber o final do romance. Não, esta não é a parte triste. Fica pior: era o primeiro livro que ela lia e que era dela mesmo, não era emprestado. Ela havia ganho de presente de aniversário e por isto era especial. Não se deprima, Brógui, tudo acabou bem: ela achou o seu tesouro, dois dias depois, jogado na sarjeta. Não é bem um final feliz, porque não há como ser feliz sabendo que aquele moleque jogou fora a oportunidade de ler, mas ao menos ela recuperou seu livrinho.

PS: Pra não dizer que gosto de tudo relacionado a livros, tenho uma certa implicância com livros tipo série. Acho que é a maior cilada pra obrigar o leitor a comprar o volume 2, 3, 4… Experimentei comprar a caixa – que, tolinha, achei que era a saga toda – do Game of Thrones.  Fiquei aborrecida. A coisa não desenrola, tem personagem pra cacete, morre gente pra cacete, um monte some no decorrer dos volumes, um monte aparece do nada.  Fiquei me sentindo ludibriada. Acho que o autor se perdeu na própria história, não soube como dar fim àquela merda, começou matando todo mundo, mas ficou sem saco, desistiu e mandou um foda-se para os leitores.

 

 

 

Eu, Mr Hyde e Hulk

In humor on 26/08/2014 at 1:50 PM

Querido Brógui,

Após longo e tenebroso inverno, cá estou eu de volta.

Tenho andado mergulhada em mim mesma e nos livros. Buscando. Ou tentando parar de buscar. Quando mergulho em mim, vejo que sou um poço sem fundo, não consigo mesmo identificar quem sou eu, parece que sou muitas em uma só e isto me confunde um pouco. Até li de novo Dr. Jekyll and Mr. Hyde para, mais uma vez, constatar que dentro de cada um de nós habita um ser que reprimimos por achá-lo grotesco, mas que ao mesmo tempo torcemos para que se liberte – ao menos de vez em quando.

Vivemos tentando separar bem direitinho o que é o “bem” e o que é o “mal”, numa visão maniqueísta que prega a existência de indivíduos totalmente legais ou totalmente filhosdaputa. Ok. Há pessoas 100% legais – raridade – e pessoas 100% filhasdaputa – não tão raras assim. De todo modo, se tirarmos a máscara – sozinhos, dentro do banheiro, com a luz apagada -, será forçoso reconhecer que não somos tão bacanas assim e que, mesmo em pensamento, derrapamos na barbárie vez por outra e que talvez sejamos capazes de fazer coisas horríveis que há cinco minutos atrás condenamos no vizinho.

A literatura, bem como alguns filmes, nos apresenta personagens que se assemelham nesta busca de ser uma criatura perfeitamente enquadrada dentro de regras sociais – absolutamente necessárias – e o quanto estas regras nos aprisionam. Dr. Jekyll, por exemplo, careta até o último fio de cabelo, vivendo em uma sociedade e em um tempo repleto de tabus, doido pra meter o pé na jaca. Dr. Jekyll descobre que há dentro dele um Mr. Hyde fascinante exatamente porque ele não está nem aí para este tipo de convenção e representa a busca da liberdade sem limites, o egoísta amor só por si mesmo, o delito que não conhece remorso, a falta de inibição, barreiras, censuras. E o Doutor, ao mesmo tempo que briga com si mesmo porque o monstro que habita dentro de si é violento e amoral, gosta cada vez mais da sensação de não ser ele mesmo.

E o Hulk? O chatíssimo Doutor David Banner pira quando fica com raiva, exatamente como todos nós gostaríamos de fazer – sem passar pelo ridículo de rasgar todas as roupas, menos as calças, coisa que nunca, nem quando eu era criança vendo aquele enlatado dublado, consegui engolir. Nós, animais domesticados, aprendemos a nos controlar, a canalizar nossa agressividade fazendo patchwork ou socando um saco de areia ou correndo 25 kilômetros ladeira acima ou meditando, ou seja lá o que for que fazemos para sufocar a vontade de matar alguém de porrada. Nem sempre conseguimos evitar a fúria, mas, a maioria de nós consegue resolver as questões sem partir para as vias de fato. O máximo que nos permitimos é dizer uns desaforos, uns palavrões e pronto.

Onde eu quero chegar com isso? A lugar nenhum. Só uma reflexão e um propósito de parar de brigar comigo mesma quando cometo todos os sete pecados capitais – gula, avareza, luxúria, ganância, inveja, preguiça e orgulho. Parar de me cobrar uma perfeição que não existe, de me sentir a última das criaturas quando fico com raiva, quando sou cruel, quando penso (e falo) mal dos outros.

Sobre os livros? Fica para o próximo.

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