Fatinha

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O pipi

In humor on 31/10/2014 at 12:41 AM

Querido Brógui,

Já que temos uma certa intimidade, vou lhe confessar que possuo a menor bexiga do mundo. É isto mesmo que você leu: consigo ficar, no máximo, uma hora sem fazer pipi. Super saudável, bebo muita água, consequentemente, desbebo na mesma proporção. Este fato prosaico me leva a vivenciar alguns apertos – literalmente.

De manhã, o tempo que levo para chegar ao trabalho é a conta pra bater o ponto, pegar o elevador e correr para o banheiro. Não raro tenho crises histéricas porque resolvem lavar os dois do andar ao mesmo tempo, então tenho que atravessar de volta para o outro prédio e rezar pra que esteja desocupado.

A noite, levanto duas ou três vezes, no melhor do soninho para ir. Em viagens aéreas longas, isto me obriga a incomodar o passageiro do lado, pulando por cima dele na ida e na volta, invariavelmente dando-lhe um chute nas canelas. Domingo, de Vitória pra cá, tive que me equilibrar enquanto o ônibus sacolejava pela estrada. Segura a calça, mira no sanitário – fazer pipi em pé é um exercício de tiro -, agarra na porta e pega o papel higiênico. Complexo, mas fiz isto três vezes. Na última, já estava craque.

Hoje, voltando do trabalho, trânsito infernal – mais do que o habitual. Geralmente quando isto acontece, entro em desespero, porque sei que vou ficar apertada no meio do caminho e sofrer horrores tendo que me concentrar na direção, mexer as pernas sem contrair o abdômen e abstrair a sensação de que, desta vez, não vai dar tempo.

Ok, pensei, tenho uma hora pra chegar ao meu destino. Uma hora depois, ainda estava na Avenida Chile. Abri o botão da calça pra aliviar a pressão. Meia hora depois, estava na Rua do Senado – para quem não conhece o Rio, significa um quarteirão. Suando frio, comecei a arquitetar um plano emergencial. Estava certa de que o Batmóvel iria ser batizado. Minimizar os danos. Achei um saco plástico no chão do carro. Forrei o banco bem direitinho. Abri a bolsa, tirei meus dois casacos, coloquei por cima e me preparei para o pior vexame da minha vida.

De repente, na esquina da Gomes Freire, visualizei ao longe um botequim. Meus olhos ficaram marejados. A rua estava interditada – sim, não basta o trânsito ser uma merda, tem que fazer um buraco mega no meio de uma via importante e deixar este buraco aberto, cercado por tapumes e colocar dois ou três desorientadores de trânsito desviando todo mundo para o mesmo lugar de onde acabou de sair.

Emburaquei nos cones. O desorientador mandou eu virar. Emburaquei mais um pouquinho, parei o trânsito, abri o vidro e pedi, suplicante: “Eu preciso usar o toalete.” Poucas vezes passei por situação tão constrangedora. O rapaz se apiedou de mim, tirou o cone da frente e gritou pro outro, que estava mais a frente: “Ela vai no banheiro!” Tem noção? Enfiei o carro de qualquer maneira numa vaga e corri para o boteco.

Nem preciso dizer que o estabelecimento foi o lugar mais medonho onde jamais pisei. Dois bebuns olharam pra mim de alto a baixo, Um terceiro parou com o copo no meio do caminho entre o balcão e a boca. O cara do balcão franziu a sobrancelha. Falei, bem baixinho: “Posso usar o banheiro?” O cara sacou uma chave presa com uma corrente num pedaço de cabo de vassoura. Bizarro. Ele deve usar o “chaveirinho” como arma. Apontou para uma portinha. Respirei fundo antes de entrar, pra não precisar respirar lá dentro.

Na antessala do pipiroom, um mictório. Sim, antes de entrar no banheiro propriamente dito, tem um mictório, o que me leva a crer que, quem quiser entrar na casinha, tem que pedir licença pro outro que está urinando fora da casinha. Para minha felicidade, ninguém estava fazendo uso da louça naquele momento. A porta do banheiro é trancada com um cadeado do tamanho da minha mão. Suponho que deva ter algum tesouro escondido lá dentro, em algum escaninho secreto que não consegui visualizar – tinha outras prioridades, como entrar no banheiro sem pisar no chão e conseguir pegar o último pedacinho de papel higiênico, cujo rolo, gloriosamente, estava pendurado num arame.

Aliviada, deixei o cabo de vassoura em cima do balcão e olhei timidamente em volta para ver se havia alguma pia para lavar as mãos. Claro que não, tolinha. Agradeci ao balconista, pedi licença ao bebum número três que estava com a perna esticada. Entrei no Batmóvel feliz e sorridente. Parei na frente do desorientador para agradecer e segui meu caminho.

Cheguei a casa uma hora depois. Tirei a roupa do lado de fora de casa e taquei fogo nela – ok, licença poética -. Fui ligeirinho para meu banheiro e beijei o vaso sanitário com cheirinho de pinho –  licença poética de novo, tá?

Brógui, descobri o que preciso para ser feliz: um banheiro limpo para eu usar na hora que eu quiser. Ou um estoque de fraldas geriátricas.

Melhor sentir demais a não sentir nada

In humor on 29/10/2014 at 10:42 AM

Querido Brógui,

Acordei bem cedinho, antes do despertador. É um momento especial, um silêncio aconchegante. Olhei pela janela. O dia ia ser ensolarado. Adoro dias assim. Dias nublados me fazem sentir nublada.

Fui fazer minha canequinha de café, sentei no degrau da varandinha dos fundos e, enquanto ouvia o despertar dos passarinhos, fiquei pensando em como viver é bom e este pensamento me levou às lágrimas de felicidade.

Lembrei das minhas viagens, dos shows que assisti, de todas as conversas e risadas que dei. Lembrei do rosto das pessoas que me fazem feliz e da saudade que sinto delas. Pensei em como eu perco tempo com coisas inúteis, ideias inúteis e pessoas inúteis. Prometi não fazer mais isto.

Vi uma vez num filme um personagem dizer que havia tanta beleza neste mundo que às vezes sentia que não ia dar conta. Sinto o mesmo. O mundo me envolve de tal forma que chega fico sem fôlego. Fico tentando, sem sucesso, sorver, mas não dá. Mesmo com meu olhar embaçado, com um foco que meu cérebro nunca reconhece, já vi – e pretendo continuar vendo – o que a natureza fez e o que o Homem fez. Minha fome jamais será saciada, as horas do dia são poucas, os meus neurônios não são suficientemente velozes para fazer todas as sinapses necessárias.

Tento, também sem sucesso, evitar que o que não é bonito me atinja. Para me proteger, criei casca, uso máscara, capacete e armadura. Assumo ares de fortaleza para sobreviver, já que tudo o que eu sinto, eu sinto demais. Melhor assim. Melhor sentir demais a não sentir nada, mas confesso que às vezes gostaria de ser um pouquinho menos eu. Acho que seria mais fácil.

Da minha janela vejo o Pão de Açúcar e o Morro da Urca. No meio do caminho entre meu olhar e o bondinho há uma árvore com as folhas em tons rosados. O céu está limpinho. Dá pra não chorar?

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