Fatinha

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Definições

In humor on 11/04/2024 at 1:56 PM

Querido Brógui,

Uma das Coroas de Cristo que ornam os pitocos da calçada foi abduzida na calada da noite. Alienígenas? Eu quero acreditar. Mas não acredito. O acontecido não chegou a ser uma surpresa, visto que, desde que fiz o plantio, essa mudinha não ficou muito firme, tadinha. Não deve ter sido tão difícil subtraí-la.

Espero, com todas as forças da minha maldade, que o autor do fato tenha perdido muito sangue nos espinhos da plantinha. Espero também, com todas as forças da minha bondade, que ela seja bem cuidada , cresça e dê muitas flores.

Quando vi a cena do crime, suspirei e, tranquilamente, fui pegar minhas luvas, minha pazinha e a outra muda – que eu, espertamente havia deixado como possível suplente. Nesse ínterim, imergi em minhas reflexões metafóricas.

O que essa minha atitude de plantar mudinhas na calçada, mesmo sendo advertida por milhões de pessoas acerca da possiblidade-quase-certeza de que elas corriam o risco de serem furtadas, diz sobre minha pessoa?

Insistir em fazer o plantio, não obstante os olhares consternados do tipo “tadinha, inocente”. Seria teimosia, cabeça-durice, obstinação, firmeza, resiliência ou puramente uma burrice siderúrgica (como diria João Saldanha)? Dedicada ao tal do “conhece-te a ti mesmo” socrático, antes de escrever esse post, pesquisei arduamente sobre o assunto.

Essa imagem aí me cativou. Às vezes empaco mesmo. Entretanto, desde que que a teima não se transforme em idiotice patológica, como acontece com aqueles que não dão o braço a torcer ainda que a realidade caia como um bloco de concreto na sua cabeça, até que a teimosia é uma boa arma para a sobrevivência – ou para as conquistas. É uma característica não de todo negativa, pois é pertinente a quem não desiste facilmente.

Sobre obstinação, encontrei essa frase, atribuída ao genial Chaplin. Se foi ele mesmo quem disse isso, não tive saco de investigar, mas isso depois você faz. Google tá aí pra isso. Se Chaplin foi obstinado, então deve ser legal ser assim: persistente, insistente, ter convicção.

Quanto a ser cabeça-dura, não encontrei referências muito elogiosas sobre. Primeiro porque a cabeça-durice é associada à dificuldade de compreensão ou de aprendizagem o que, no mais das vezes, não é o meu caso. Reconheço que apanho para entender aqueles desenhos que ensinam passo a passo a montagem de um objeto. Também não sei exatamente como abstrair a física quântica – embora já tenha lido sobre o assunto. Apesar, disso, recuso-me a me auto encaixotar nessa categoria, na qual me parece que a pessoa se agarra a uma verdade particular e, como diria Mamãe, acaba por se tornar o único soldado com o passo certo no batalhão.

Cheguei então à resiliência, que me parece um termo chique para nomear aquele que enverga mas não quebra, aquele sobrevivente porque é adaptável às mudanças. É um ser resistente, maleável, flexível, que supera as adversidades. Na Física, é a propriedade que alguns corpos possuem para retornar à sua forma original depois de deformados. É. Bacana essa parada de resiliência.

Pois é. Exercitarei meu seja-lá-qual-for-o-adjetivo e replantarei as Coroas de Cristo, enquanto isso não me incomodar. Quando isso acontecer e eu me emputecer, meto um Cacto Bola, também conhecido como Cadeira de Sogra e aí eu quero ver neguinho meter a mão.

Relendo-me, reescrevendo-me, redivertindo-me

In humor on 10/04/2024 at 10:22 PM

Querido Brógui

Não falta inspiração, nem disposição. Apenas resolvi ler o conteúdo do Querido Brógui, só pra conferir se eu era tão engraçadinha como sou agora. Sou. Dei uma burilada no vocabulário, liberei os palavrões e não cito mais os nomes nos textos.

Decidi que seria bacana republicar, devidamente editados e melhorados, posts antigos. Aliás, foi phodda me auto editar a mim mesma. Acho que além de me reler, eu me reescrevi.

Acho que os Bróguis que me acompanhar desde sempre vão se redivertir – adoro criar neologismos – e os recém convertidos vão saber que essa nobre pessoa que aqui escreve sempre foi meio mais ou menos capaz de rir até de fratura exposta.

Então, segue aí uma pérola, escrita depois de um almoço com uma amiga – que é minha irmã até hoje. Há quem se orgulhe de acumular dinheiro. Eu me orgulho de acumular amigos, que continuam a ser meus amigos, apesar de me conhecerem muito bem.

Há muito tempo que não dou tantas gargalhadas como ontem, na hora do almoço. Sabe aquelas minhas gargalhadas altas, padrão “comunidade”?

Fui comer sushi em um restaurante era rodízio. Na boa? Rodízio é para os fortes e que tem estômago dilatado. Sou fraca e como muito pouco. Então, como aprendi, rodízio não dá pra mim.

No breve lapso de tempo em que fui ao banheiro, Bobinha começou a fazer o pedido. Acho que estava com muito apetite – maneira gentil de dizer que devia estar roxa de fome – pois mandou ver. Beleza.

Quando começou a chegar a comida, vi que era o suficiente para alimentar uma dúzia de estivadores (se é que um estivador comeria peixe cru). Arregalei os olhos e disse que a gente não ia conseguir dar conta daquilo tudo. Perguntei se tinha alguma multa, algum castigo físico se a gente deixasse comida no prato. Bobinha garantiu que não. E eu acreditei.

Iniciamos os trabalhos. Comemos, comemos, comemos… A quantidade de comida era infinita. Lá pelas tantas, começou a sair sashimi pelas nossas orelhas. Ainda restavam mais de trinta peças para serem comidas, fora os espetinhos, o nirá, o rolinho-primavera e outros acepipes.

Minha Brógui olho-grande-maior-que-a-barriga então, muito sem-graça, me comunicou que teríamos que pagar pelas sobras. Comecei a rir. Desespero? Não. É muito engraçado mesmo a gente ser obrigada a comer – principalmente depois que ultrapassamos a infância. Mais engraçado ainda é ir a um restaurante e pagar pelo que comeu e pelo que não comeu. ok. É pra evitar o desperdício e coisa e tal, mas não deixa de ser bizarro.

O efeito desse comunicado foi desastroso. Além de eu começar a rir compulsivamente, o que dificulta um pouco a ingestão de qualquer alimento, meu estômago já lotado até a boca ficou com câimbras. Somado a isto, a impressão que tive foi que a comida crescia na boca e se multiplicava no prato.

Fui até a área externa dar uma caminhada pra ver se a comida se acomodava pra caber mais. Tipo motorista de ônibus que dá aquela freada pra entrar mais gente.

Quando voltei, ainda com a última peça de sushi entalada no esôfago, sugeri que começássemos naquele instante a praticar a bulimia. Sabe? Abrir espaço para comer mais. Minha sugestão não foi acolhida. Respirei fundo, comi mais uma ou duas peças e comecei a rir de novo. Dessa vez foi de nervoso mesmo.

Então, reparei que um milagre estava acontecendo diante dos meus olhos. Nenhuma de nós comia, mas as travessas estavam ficando mais vazias. Olhei para Bobinha e ela, vermelha, desviou o olhar. Bróguis! Ela tava tacando a comida dentro da bolsa! Numa versão tupiniquim dos maiores ilusionistas de las Vegas. A comida ia desaparecendo numa velocidade inacreditável. Num piscar de olhos a abdução acontecia. No maior espírito colaborativo, entrei no esquema e ia sutilmente posicionando os pratos cheios perto dela, para facilitar as manobras. Peguei mais guardanapos na mesa vizinha para ela embrulhar a comida.

Nesse ponto, ela foi contagiada pela minha crise histérica de riso. A gente dava gargalhadas enquanto a comida era sugada pela bolsa dela. Comecei a ter ideias diabólicas como fazer paredinha pro garçom não ver ou roubar logo os pratos pra acabar com o nosso sofrimento. Também lembrei que ela ia ter que pegar a carteira dentro da bolsa e os sashimis iam pular lá de dentro e nos denunciar.

Lá pelas tantas, o gerente se aproximou e disse que não precisaríamos pagar pelas sobras. Sei lá por que. Talvez nosso comportamento estranho tenha chamado sua atenção, ou ele queria que desocupássemos a mesa, ou ficou com vergonha por causa dos outros clientes. Não importa. Nos safamos dessa com a dignidade mais ou menos intacta.

Saldo do almoço: a bolsa da Roberta fedia a peixe, meu carro ficou fedendo também e estávamos felizes.

Dia Perfeito

In humor on 07/04/2024 at 10:10 PM

Querido Brógui,

Meu dia perfeito não é um dia digno de Facebook ou Instagram ou Ticktok (é assim que escreve?), ou de pseudo-celebridades. Tampouco é um dia de influencers que, em sua maioria, não passam de cabeças de abóbora querendo fazer uma graninha cagando regras, dando opiniões estapafúrdias e fazendo dancinhas.

Meu dia perfeito pode ser um dia ocupado ou de bobeira total. Pode ser sozinha ou acompanhada. Pode ser fazendo serviço de corno ou vendo um filme. Não tem regra pra ficar feliz.

Essa semana que passou, tive quatro dias perfeitos. QUATRO!!!! Pense!

O primeiro dia foi compartilhado com duas amigas daquelas que não vendo, não dou, não boto no prego. Posso emprestar, mas meto porrada se não forem devolvidas. Essas meninas se despencaram (sim, moram longe e não têm carro) até Vila Isabel pra me ajudar numa tarefa chatinha. Chatinha, não. Chata pra caraio. Começar a selecionar itens da casinha (estou “espalhando” algumas coisas, um termo muito mais bacana do que “desfazendo”). Aquela casa é uma mistura de brechó com antiquário com uma pitada de neurose acumuladora.

Passamos o dia entre empacotar livros, louças, comer poeira, jogar papel fora, tomar cerveja, coca-cola e comer galeto. Rimos, trocamos confidências, discutimos qual a melhor forma de organizar uma caixa, negociamos quem ia levar que móvel pra casa.

Toneladas de livros. Todos os que um dia moraram naquela casa, vieram com a informação no DNA de leitores compulsivos. Em todos os cantos da casa, há uma estante transbordando. As louças delicadas, fofas, que foram de Mamãe, devidamente lavadas e carinhosamente embaladas. Eu fiquei com a parte de futucar as dezenas de pastas nas quais Papai arquivava contas, recibos, extratos de banco, declarações de Imposto de Renda (papelada com mais de trinta anos!). Achei umas pérolas, como o documento da maternidade no qual foi registrado o meu nascimento e o de Bão (” feto aparentemente normal”, tinha escrito. gente! aparentemente!). Uma foto do Papai com cinco meses e dedicatória para o avô dele. Documento de alistamento militar. Céus! E essa é somente a ponta do iceberg.

O segundo dia perfeito foi a visita do Irmão. Veio rapidinho, mas foi o suficiente para aquecer meu coração. Almoçamos juntos. Tomamos sorvete. Começamos a assistir uma série na televisão (não conseguimos ver toda a temporada, eu vi depois sozinha. acho que vou contar aqui o final só de maldade). Apresentei o CADEG ao carioca que nunca havia ido lá, compramos plantinhas, comemos bolinhos de bacalhau. Isso tudo e ele ainda participou de duas reuniões on line. Impressionante como o tempo rendeu.

O terceiro dia foi o dia da ressaca do show que fui na sexta, lá no Circo. Acordei tarde, voltei a dormir, acordei de novo, voltei a dormir. Nem sei se fez sol. Não botei o nariz pra fora do quarto.

E hoje, foi o quarto dia sensacional. Acordei cedinho e fui plantar minhas Coroas de Cristo nos pitocos da calçada. Hein? Eu explico. Mandei consertar a calçada arruinada pelos caminhões que abastecem o depósito de material de construção que fica quase em frente de casa. Obviamente, não gastei meu rico dinheirinho naquela loja. Seria muita esquizofrenia eu comprar cimento do fulano responsável pelo dano. Mas pretendo ir lá jogar na cara dele o prejuízo e perguntar se ele não vai contribuir com algum pichulé.

Pra evitar que os caminhões destruam tudo de novo, coloquei uns pitocos, que vêm a ser uns canos cheios de concreto que plantei junto ao meio-fio. Achei que ia ficar feio aqueles trecos pintados de amarelo e então decidi comprar umas flores. Uma pra cada pitoco. Coroa de Cristo é aquela gracinha que dá flores miúdas, de várias cores e é CHEIA DE ESPINHOS. É, Brógui, a gente tem que pensar nos vãndalos e nos sem-noção que furtam as mudinhas alheias. Também tem que ser uma plantinha guerreira, pra aguentar o sol no quengo o dia inteiro. Fica a ideia: fazer dos pitocos dublês de vasos.

Depois de cumprida essa meta, fiquei na paz, lagarteando na piscina, atracada com meu livro. Até cochilei.

É isso. Bora tentar fazer nossa semana ter dias perfeitos?

A (des) conexão

In humor on 30/03/2024 at 4:12 PM

Toda essa modernidade digital é a maior onda, se usada com moderação. Isso causa dependência, os efeitos colaterais são siderúrgicos. Muita gente esqueceu que existe vida fora da internet e que não estar on line não significa que você está morto.

Houve um tempo, não se se você se lembra, em que as pessoas conversavam. As cordas vocais eram usadas, não enferrujavam, havia um vocabulário, as palavras eram articuladas, a gente até conseguia formular uma frase completa!

E o contato visual? Você pegou essa época de ouro, quando, além das palavras, a gente aprendia a ler o corpo do outro, as expressões faciais? Tá, eu sei que já foi inventada a chamada de vídeo, mas sei também que muitos cabeças de bagre não trouxeram no seu código genético uma substância chamada Simancol. Essa substância, que não está à venda nas farmácias, serve, entre outras coisas, pra inibir o comportamento invasivo e acabar por dar flagrante no amiguinho pelado dançando o ragatanga no meio da sala.

Quem não é tão vintage como eu, certamente deve ser contemporâneo do telefone. Então, quando a gente queria falar com uma pessoa e não conseguia encontrar pessoalmente, telefonava. Garanto que essa experiência todo mundo viveu.

Sabe do que mais sinto saudades? De quando as palavras mal interpretadas ou uma sentença mal formulada podia ser esclarecida sem precisar fazer um Podcast acompanhado de uma apresentação em PowerPoint explicando o que você quis dizer. Nem precisava de editor de texto ou da tecla Del. Era só uma questão de dialogar e não monologar numa telinha, sabendo que o outro tá tão puto que nem vai visualizar a mensagem.

Nada contra o WhatsApp. Uso muito, inclusive. Acho útil mandar e receber mensagens em tempo real, poder dar um “e aí? tudo bem? tudo bem por aqui tb. ó. me lembrei de você. bj”.

Dá pra mandar um recadinho rápido sabendo que se o receptador não respondeu é porque não teve oportunidade, mas o recado tá dado (embora existam os ansiosos patológicos ou ególatras contumazes que acham que temos que responder à qualquer mensagem enviada pelo seu umbigo em, no máximo, cinco segundos. senão, corremos o risco de receber mais vinte e cinco mensagens desaforadas e depois fingirmos não ouvir as outras vinte e cinco chamadas de voz.). Graças aos deuses da fibra ótica, temos a possibilidade de ignorar o interlocutor se for um chato de galochas.

Pra quem gosta de um bom barraco de três andares, pode usar as mensagens arquivadas pra jogar na cara do outro que ele falou o que ele jura que não falou (se bem que agora tem a tal da mensagem temporária, o que atrapalha um pouco).

Dependendo de nossa capacidade cognitiva, dá até pra acompanhar mais de uma conversa sem misturar as estações. Mas, é preciso tomar cuidado e usar o desconfiômetro calibrado com sensibilidade pra sacar quando a criatura infeliz que mandou aquela textinho precisa do seu foco total.

Tem que ser criterioso. Não dá pra acolher aquela pessoa que está na merda total e ao mesmo tempo estar jogando Candy Crush, vendo o vídeo no Youtube, acompanhando quem aquela ilustre desconhecida tá comendo no momento e enquanto isso dar uma atualizada no seu status informando aos outros o que está fazendo nesse exato segundo. Não dá. Está provado por neurocientistas que essa coisa de multitarefa não existe. O que existe é compartilhamento de atenção. Você desliga uma chave, liga a outra, desliga, liga a outra e assim por diante. Nossos neurônios não são dão conta de mais de uma coisa de cada vez. Em certos casos, dá curto circuito. Tarefas mal executadas. Pode pesquisar. Se quiser, empresto uns livros muito interessantes sobre o tema.

Pois é. Se você recebe uma mensagem de uma alma desesperada e, naquele momento está tentando ser cordial com seu chefe pé no ovos, acabar o último parágrafo daquele livro de quinhentas páginas ou seu filho resolveu trazer quinze amigos pra almoçar e não dá pra mandar todo mundo tomarnocu, peça licença, tranque-se no banheiro pra poder acudir.

Às vezes é absolutamente impossível, eu sei. Você tá no meio de uma entrevista de emprego depois de três anos espalhando currículo, ou na frente da Central do Brasil à cinco e meia da tarde e não quer perder a vida por causa de um celular ou o no meio de uma vídeo conferência dando uma palestra na ONU sobre o aquecimento global. Tá certo. Mas avalie a urgência/gravidade da situação e salve aquele pobre que está se rasgando todo de aflição e precisa de você. Meus amigosdeféirmãoscamarada fazem isso sempre. Obrigada, a propósito.

Se der, faça uma ligação. Ouça. Fale. Use suas cordas vocais enferrujadas, tire a cera dos ouvidos e descanse seus dedinhos hipertrofiados. Ainda não foi proibido conversar de verdade.

E, aproveitando o gancho, preciso confessar que, além de ser uma preguiçosa digital (reparou que as edições do Brógui têm a periodicidade de uma gestação de elefante?), não conseguir memorizar nenhuma das quatrocentas mil senhas que temos que utilizar todos os dias, tenho uma certa implicância com esse esses apps que devoram nossa privacidade como um refugiado famélico.

Tá, eu sei. Têm mil e uma utilidades, informações até interessantes, ou você precisa trabalhar com isso senão sua carreira não vai pra frente. Mas, como disse, implico. Por que? Porque salvo raras e honrosas exceções, os usuários desenvolvem uma compulsão quase que esquizofrênica de divulgar quase tudo o que fazem (quase tudo porque ninguém joga no ventilador as derrotas, só os momentos de glória).

Outro sintoma patológico é a fixação em fuçar a vida de todo mundo, inclusive de quem nem sabe que você nasceu, tá cagando pra sua opinião e só quer um zilhão de likes pra ganhar uma graninha. Se bem que tem gente que divulga detalhes da sua vida pessoal e ainda reclama que os outros se metem nela. Ué! não entendi. Pode olhar, mas não pode comentar? Não foi você que autorizou implicitamente que todos os habitantes do planeta participassem da sua existência?

Eu, enquanto excluída digital assumida, fico besta quando vejo alguém, no meio de um show, com os olhos colados na telinha do celular e os dedinhos nervosos digitando ou rolando a tela. Alguém aí, certamente mais inteligente do que eu , deve saber a explicação para o cidadão sair de casa, gastar dinheiro, passar perrengue no trânsito e não conseguir passar hora e meia sem conferir se tem alguma coisa mais legal rolando fora dali. Foge da minha compreensão, alguém ficar interagindo com gente que não está presente ao invés de fazer o óbvio que é assistir a porra do show com o miserável que o acompanhou e ainda assim está sozinho. A mesma dúvida me assola no cinema, nos restaurantes, na praia, seja lá qual for o lugar que se escolha pra ir.

Radical? Sim. Não faz nenhum sentido pra mim. Nada que esteja acontecendo durante aquelas horas ou minutos, vai deixar de acontecer se você não estiver tomando conta. O mundo não vai acabar (ou vai e você não pode fazer nada pra impedir) enquanto estiver off line. Se assim o fosse, a humanidade teria sido extinta quando não havia internet, celular, ou mais ainda, quando não havia sequer um telefone. Pronto. Falei.

Vou tentar habilitar os comentários para interagirem comigo. Não prometo conseguir. Se não der certo, me liga.

O bioma no universo paralelo

In humor on 10/01/2024 at 8:50 PM

Querido Brógui,

Tentando minimizar os efeitos desastrosos da boquinha nervosa com tempero de festas de final de ano e molho de férias, fui dar uma leve caminhada na beira da praia.

Calculei que, três quilômetros para ir, uma horinha de academia e mais três quilômetros pra voltar, seriam uma boa ideia.

A parte da caminhada foi muito bem, obrigada. Gosto de andar, às vezes ouço um áudio livro, às vezes um rockzinho, às vezes fico conversando com meus macaquinhos. Já a parte da academia…

Fiz o cadastro enquanto olhava as belíssimas instalações e, meia hora depois, adentrei à sucursal do paraíso dos seres humanos impossíveis de serem reais. Todos com aquele corpo esculpido a cinzel por algum personal trainer e um cirurgião plástico com complexo de Deus da Criação. Todos com a aparência de que ter acabado de sair do cabeleireiro, dado um trato na unhas, uma passadinha na esteticista e uma visita rápida ao dentista pra retocar o clareamento dos dentes. Não tenho noção de quantos profissionais são necessários para transformar aquilo que a natureza nos deu, com resultados, a meu juízo, questionáveis e, certamente, a peso de ouro.

Enquanto fazia meu alongamento, fiz minha análise antropológica dos seres que compõem aquele bioma. Nenhum daqueles animais exóticos possui gordura corporal. Só têm pele – dourada, obviamente – e músculos hipertrofiados. Disfarçadamente, dei uma pinçada nas minhas gordurinhas e pensei na minhas celulites – coisa que inexiste naquele universo paralelo. A visão de uma flacidez deve causar ânsias de vômito na população local.

Vou começar meus comentários mirando nas mulheres, que são mais loucas que os homens no quesito vaidade patológica. Foi um desfile infindável e incontável de coxas padrão tender, bundas empinadas que conseguem equilibrar um copo cheio de água sem derramar uma gota, abdomens perfeitos para lavar aquele pano de prato encardido. Braços de fazer inveja a qualquer estivador do cais do porto.

Todas as mulheres, repito, todas as mulheres fizeram demonização facial. Todas as caras mexidas, cheias de toxinas e fios e ácidos e outras porcarias. Exibem as bocas infladas, os olhos com pálpebras recortadas, bochechas altas diminuindo os olhos, nenhuma expressão facial, tudo paralisado.

Portam orgulhosamente as pestanas tipo toldo, sobrancelhas de hena pretas como as asas da graúna, algumas com eterna expressão de espanto. Ostentam unhas de fazer inveja a qualquer felino com garras mortais, com a diferença de que são pintadas de todas as cores de todas as paletas conhecidas e desconhecidas. Disfarçadamente, dei uma olhada nas minhas unhas que nem cutícula eu tinha tirado, olhei no espelho, dei uma sacada nas minhas ruguinhas, nas minhas olheiras e fiquei com pena das minhas pobres e humildes pestanas.

Passei então a observar os modelitos usados e vi que é obrigatório nesse mundo usar a legging com aquela preguinha na altura no cóccix – ô palavra filhadaputa de escrever! -. Não sei ao certo a utilidade daquilo, a não ser fingir que tá com a calcinha enfiada no rabo – sim. fingir. nenhuma delas estava fazendo uso dessa peça de roupa. Disfarçadamente, conferi minha bermudinha e meu top comprados por vinte contos no tabuleiro de uma loja fuleira. E eu estava de calcinha.

Quase à beira de uma crise depressiva, mudei o foco para os homens. Tentei, em vão, achar um colírio para meus olhos cansados. Um bando de macho com mais peito que eu, os braços cheios de calombos que creio serem músculos inchados, andando com as pernas abertas, porque os igualmente inchados músculos das coxas devem machucar um bocado as partes pudendas. Urravam, grunhiam, faziam caretas. Assustador. Tatuagens, barbinhas, bonés e sobrancelhas feitas. Todos.

Decidi então parar de perder meu tempo e tentar me misturar à população local pegando umas caneleiras. Já que eu estava no inferno, bora abraçar o capeta. Olhei em volta e vi a prateleira com o material. Ué… onde estão as caneleiras de dois quilos? Tolinha! Só tinha de dez quilos pra cima. Ok. Vou pegar uns pesos. Só anilhas de cinco quilos pra cima. Não consegui nem tirar do suporte.

Finalmente, me dei por vencida, peguei meu cachinhos grisalhos – eu era a única com cabelos cacheados e não-loura -, minha negritude – prefiro nem comentar -, meu corpinho sem nenhuma recauchutagem, meus quilinhos extras, minha autoestima e me mandei. Não sem antes gritar mentalmente um solene FUCK U BITCHES!!!!!!

PAPAI NOEL

In humor on 23/12/2023 at 1:16 AM

Hoje vi a chegada de Papai Noel aqui em terras capixabas.

Enquanto esperava, fiquei ouvindo e cantando aquelas velhas músicas natalinas. Gosto de muitas delas, embora não seja uma pessoa amarradona no Natal. Nem no Ano Novo, verdade seja dita.

O Natal, não obstante seu conteúdo religioso e o apelo emocional da reunião em família, só me encantava enquanto eu acreditava em Papai Noel. A mais doce lembrança que tenho de Papai Noel, não é uma lembrança. Ouvi esse relato de minha Mãezinha. Não sei os detalhes, mas vou contar aqui o que ficou registrado e, dou-me de presente de Natal a licença poética para fantasiar um pouco.

Eu era muito pequena ainda, não sei quantos anos eu devia ter. Não lembro se algum dia eu perguntei isso pra Mamãe.

Nos idos de mil novecentos e leite de saquinho, havia, anualmente a chegada de Papai Noel no Maracanã. obs – quem lembra aí do CCPL, que comprávamos na padaria?

A chegada de Papai Noel era um evento popular, aguardado ansiosamente pelas crianças. Papai e Mamãe nos levaram. Conseguimos um lugar na Geral e ficamos lá olhando pro gramado, onde havia um palco com um trono vermelho. obs – todo torcedor que se preza sente falta da Geral, que o capetalismo solapou em nome da segurança. Tudo bem que tinha aquele fosso profundo – mas sem jacarés -separando o povão do gramado. Alta periculosidade, mas ninguém ligava. O máximo que podia acontecer era quebrar o pescoço.

Pense naquela renca de crianças esperando a chegada de Papai Noel! Imagine o tanto que se perdia, que eram atropelados pela multidão, que choravam de fome, sede e ansiedade! Os tempos eram outros e tudo era festa, meio na irresponsabilidade, meio na aventura, mas no prazer total.

Depois de hooooras de espera e sofrimento, Papai Noel chegava de helicóptero, já que rena voadora é coisa impossível de se achar nessa época do ano.

O helicóptero ia chegando e começava a gritaria de excitação infantil. Dava voltas e mais voltas, enquanto ia ficando cada vez mais baixo, se aproximando do local de pouso, no meio do gramado. Papai Noel, ficava na janela, acenando e, por fim, desembarcava devidamente paramentado com aquela roupa quente, as longas barbas brancas e carregando um saco de cetim vermelho enorme. Ser Papai Noel não é para os fracos, ainda mais aqui nos trópicos. Acho que é por isso que ele ficava sentado na cadeira vermelha, marcava uns minutos e ia embora.

Mamãe me contou que a primeira vez que eu vi o Papai Noel acenando da janela do helicóptero, fiquei com os olhos brilhando, apertei sua mão com força e repeti sem parar: “É ele, Mamãe! É ele, Mamãe!”.

Pois é. Meio século depois, lá estava eu esperando Papai Noel chegar. Ele chegou de carro, sem tanto glamour, não trouxe o saco de cetim vermelho cheio de presentes imaginários e eu não estava segurando a mão da Mamãe, mas chorei do mesmo jeito.

Só não entrei na fila pra tirar foto sentada no colo dele porque achei meio demais.

Sem limite

In humor on 21/09/2023 at 9:22 PM

Querido Brógui,

Hoje, após ir pra academia, resolvi ir pra praia. Dada a novas descobertas, pensei que poderia ir caminhando para o lado oposto ao que estava acostumada a ir, pra ver qualé. Assim o fiz. Oito mil passos depois, me dei conta de que precisava voltar. O que significaria mais oito mil passos pra trás.

O que são oito mil passos ? È algo em torno de seis quilômetros. Em se considerando que eu já havia caminhado quatro quilômetros na esteira e mais um tanto pq me perdi no caminho de ida, significa que andei pra caraio.

Quando resolvi parar na pracinha pra sentar um pouco, peguei-me a refletir acerca na minha falta de simancol. Ou a minha falta de limites, ou a incapacidade de estabelecer um nível razoável de equilíbrio no que faço. Não sempre, claro, mas isso também não é incomum.

È mais ou menos assim: como até explodir, ou passo um dia inteiro só bebendo água. Durmo demais ou fico insone. Faço coisas pra caramba ou passo o dia inteiro sem fazer porra nenhuma. Morro de preguiça de fazer atividade física ou imploro pro meu personal me dar mais uma série pra eu fazer nos dias que ele não me dá aula.

É uma coisa meio equisita, sabe? Tanto que eu estudo sobre equilíbrio, temperança. Todo mundo diz que eu sou sensata, que não sou apaixonada, sou blasé. Acredito firmemente naquela coisa chinesa de que a virtude está no caminho do meio, yin yang, blá blá blá.

Não sou tresloucada, mas também não sou equilibrada. Não nesse aspecto. Meto o pé na jaca mesmo, me acabo, passo mal. Parece que fico meio sem freio. É isso. Não é desequilíbrio, é falta de freio. Vou indo, vou com sede, vou com desejo insaciável de viver aquele momento até sua última gotinha, mesmo que depois eu fique na merda total, o que acontece quase sempre. Mas é uma merda total legal, com aquele gostinho de que aproveitei, que fiz por merecer o dom da vida e que fiz o que tava a fim e que foram instantes que meu corpo pediu por isso ou que minha alma pediu por isso.

Na boa? Eu posso estar só de passagem por este planetinha, mas vou levar comigo muitas lembranças.

Indo

In humor on 18/09/2023 at 3:18 PM

Querido Brógui,

Embarcar è meramente a culminância de tudo.

Viajar é viver. Sozinha, acompanhada. Com sol, chuva, neve, qq coisa.

Meu bichinho viajante acordou de novo. E, com ele, aquele friozinho gostoso na barriga de me mandar por aÍ. A curtiçao de arrumar a mala, programar os passeios, sonhar.

Tudo bem que agora, no alto dos meus 50 anos, a parada é menos heavy metal, menos mochilão e mais malinha de mão, menos pousadinha e mais 3 estrelas, mimos e confortos com os quais posso me brindar.

Não sabia bem pra onde ir, fiquei como barata tonta batendo chifre (ops, barata não tem chifre) catando roteiros pica das galáxias para fazer minha primeira viagem nesta terceira encarnação.

Obs primeira encarnação como professora, segunda como servidora do MPRJ, terceira como aposentada. já vivi tantas vidas!

Fato é que percebi que estava ansiosa pra relaxar, o que é, no mínimo, uma maluquice. O planejamento da mega viagem, que ainda sairá, não estava sendo um prazer, estava se transformando numa obrigação, numa fonte de stress.

Parei tudo. Peraí. Eu não tenho que. Eu não preciso de. Eu não sou obrigada a. Dei-me uns tapas e baixei a bolinha.

Tudo bem que o início da minha terceira vida foi algo pelo qual sofri e chorei e suei anos. Não só apenas os anos de trabalho, mas anos juntando documentos daqui, abrindo processos dali, batendo de porta em porta nos tortuosos corredores da burocracia. Então, quando finalmente começo a viver esta encarnação, dá um certo desespero. Uma coisa meio bezerro solto no pasto. Daí pra pico de ansiedade é um pulinho.

Mas, como disse, baixei minha bolinha e começarei com algo mais básico, mais familiar, mais tranquilo.

Vou começar pela minha terrinha. Revisitar minhas origens e sentir cada vez mais forte o laço que me une a Pernambuco.

Mamãe era pernambucana, então me dou ao direito de me achar meio pernambucana também. Adoro o sotaque, as comidas, o artesanato, as músicas, as danças, os sítios históricos, a paisagem. Amo ser pernambucana, tanto quanto amo ser carioca.

Então, para acalmar meu bichinho viajante ansioso, vou pra lá. Realizar mais um sonho, que é conhecer Fernando de Noronha. Na calma, com tempo pra chamego com minhas primas, fazer trilhas, pegar sol.

Vou desconectar dos problemas cotidianos e me conectar com o prazer de estar viva, plena, com saúde, bonita e crocante.

Vou me sintonizar com boas energias e deixar pra trás os gatilhos emocionais que me fazem mal.

Se der, mando notícias. Estou indo munida do meu tablet poderoso, mas não sei se vou ficar a fim de ficar on line. Acho que não.

UM ANO SEM ANDRÉ

In humor on 13/09/2023 at 10:56 AM

Querido Brógui,

Impossível não amar André. Nos conhecemos na escola, calhou de pegarmos os mesmos horários e logo fizemos um grupo divertidíssimo. Isso foi na época em que ainda conseguíamos ter “tempo vago” e fortalecer os laços de amizade com colegas e alunos.

Fazíamos churrascos no pátio depois do horário. Celso trazia o violão, que tocava muito mal, mas era bom. Cantávamos “Stand By Me” até cansar.

As lembranças são tantas, e sempre alegres.

André vivia com leveza. Não levava a vida cruel muito a sério. Tinha uma máximas que aprendi com ele e de vez em quando repito para mim. Não dava a mínima pra dinheiro, mas gostava de se aproveitar dele, curtindo o prazer de gastar fazendo viagens com a família, tomar seu chopp, vivendo a vida.

“Quando eu morrer, vou estar um mês na frente do Itaú.” Isso ele falou quando questionei essa história de cheque especial.

“Não tenho dinheiro, mas tenho crédito.” Quando roubaram seus cartões e meteram um monte de compras com valor altíssimo.

“É simples assim.” Quando finalizava uma discussão profunda.

Quando Claudinha começou a dirigir e comprou uma Fiat que tinha só uma luz de ré, ele disse que carro barato era uma merda. Economizavam numa lâmpada, imagine no resto.

Denise comprou um carro sem ar condicionado quando se separou. “Carro sem ar condicionado? Quando dava a mais na prestação? Por que não me disse? Eu inteirava pra você essa mixaria.” Generoso sempre.

“Como é que é? Você chamou a mim e ao Jorge pra ir com você no caixa eletrônico pra tirar dez reais? Pra que escolta?”

Churrasquinho de gato sentados em banco de plástico na beira da Maxwell. Camarão de criadouro num restaurante lá na Barra porque era o único que não dava alergia. Pizza na esquina, no restaurante que ele batizou de “Marcinha” não lembro por que.

O nascimento de Helena e Betina. Alegria de ser pai. Passando das fraldas, às festinhas. Comparecendo e exercendo a paternidade como uma escolha. “Só tive filhos quando eu quis, não foi acidente.” O orgulho de ter meninas, tendo sido criado num universo feminino.

“Não gosto de conversa de homem. Mulher é muito mais legal.”

Seu universo feminino. Criado pela mãe, uma irmã, professor (nas escolas, a maioria é mulher), a melhor amiga Cristina. Duas filhas e a Adriana.

“Eu não namorei a Adriana. Eu casei com ela.” Depois de uma viagem pro nordeste, decidiu que ia casar com a Adriana, sua prima e a quem conhecia desde criança. Casou e ficou bem casado. “Casamento é bom.”

Preciso comprar uma coisa no shopping. “Bora. Adoro gastar o dinheiro dos outros.”

“Parei de beber depois que invadi o quarto de uma tia.” Era chegado numa birita, mas teve um episódio traumatizante do qual não lembro os detalhes, mas que culminou na sua decisão. “Parei de fumar. Mas parei com o maço no meio e deixava ele ali, olhando pra minha cara.” Decisão e força.

“Comprei um carro pra Adriana. Tinha escolhido outro, mas entrei na loja de chinelo e não veio um candango me atender. Entrei na loja do lado, peguei outro e voltei na primeira só pra dizer que preto de chinelo também tem dinheiro.” Boa!

“Não tem amor ao pau.” Sobre homens que ficam trocando de parceiras o tempo todo e sem camisinha.

Um fulano no banheiro mandou ele lavar as mãos. “Eu peguei no meu pau, não foi no seu. E lavei as mãos antes de pegar nele. Você lavou antes de pegar no seu?” Sensacional!

“Faço tudo, menos trocar fraldas. Isso é com a Adriana. Não sei.” Perguntei a ele se a Adriana tinha nascido sabendo. Ele ficou me olhando em silêncio e, na próxima vez que nos encontramos, ele falou que tinha trocado a Helena e dado uma chuveirada no bumbum dela. “Esse negócio de lencinho é muito nojento. Chuveiro no rabo é melhor.” André, sempre aprendendo e repensando, como quando disse que não queria bebê pelado dentro de casa. Perguntei se ele já tinha usado um absorvente alguma vez na vida. Multiplique o calor do absorvente pensando numa fralda. Sacou? “Saquei. Por isso que a pele fica irritada” E a criança também.

“Você parecia uma azeitona presa num palito.” Na época que eu estava muito magra e ele dizia que eu tinha um cabeção.

Não o via há anos. Não trabalhávamos mais na mesma escola e a pandemia deu mais uma quebrada. De vez em quando nos falávamos. Não tanto como eu gostaria. Sua morte me ensinou mais essa lição. Estar presente sem pensar que temos todo o tempo do mundo. Não temos.

Ansiedade

In humor on 24/06/2023 at 6:04 PM

Querido Brógui,

Cheguei da praia agora há pouco. Na cabeça, tomar banho, comer, tomar um café, escrever este post. Não necessariamente nessa ordem.

Saí do chuveiro e, ainda molhada, peguei o note, larguei o note, abri a geladeira e peguei uma salada de frutas. Larguei a salada de frutas e preparei a cafeteira. Coloquei no fogo, peguei de novo a salada de frutas, sentei pra comer no sofá enquanto abria a página. Cheiro forte na cozinha. Esqueci de vigiar o café, a italiana ferveu, derramou. Larguei a salada de frutas, o note, tirei a cafeteira do fogão, limpei o fogão. Sentei de novo no sofá. Esqueci de colocar o café na caneca pra beber e a salada de frutas ficou no tanque, junto com a cafeteira.

Esse foi um pequeno exemplo de como o meu, o seu, o nosso cérebro funciona. Pula de um pensamento ao outro num fluxo interminável. Não para nem quando dormimos. Eu pensava que era minha cabeça que funcionava assim, como uma característica pessoal. Tolinha! Eu não sou tão especial assim. Todas as cabeças funcionam assim, apenas alguns conseguem focar mais ou menos. Simples assim.

Quer dizer, não tão simples assim.

O problema é tornar possível viver cada momento, um de cada vez, ao invés de tentarmos ser o que chamamos de multitarefa, o que é algo impossível, para sua informação. A gente não executa várias tarefas ao mesmo tempo, nosso cérebro não funciona dessa forma. O que acontece é que nossos neurônios vão atuando em uma coisinha de cada vez, mudando de uma para a outra, pulando pra lá e pra cá, como macaquinhos. É a tal da monkey mind. Em síntese, o cérebro para uma atividade e vai pra outra, depois pra outra, depois volta pra primeira e assim por diante. Daí a conclusão: não estamos inteiros em nenhuma delas, nos perdemos, esquecemos, fazemos mal feito.

É uma dificuldade que todos temos, sinta-se à vontade com isso, Brógui. Você é normal. E essa dificuldade de viver o momento, estar plenos em cada momento, gera uns curto circuitos nos pobres neurônios, além de, emocionalmente, nos desestabilizar.

Ansiedade.

Essa é a palavrinha mágica. Carrego esse fardo exaustivo nos ombros. Esse sentimento, essa sensação me faz quicar, trincar os dentes, ficar com dor na cervical, perder o sono, perder o ritmo da respiração, ficar com a boquinha nervosa, chorar e mais uma centena de reflexos no corpo do que se passa na mente.

Essa palavrinha mágica, muito na moda atualmente. Nesse mundo esquisito que estamos vivendo, dentistas consertam dentes quebrados, psicólogos e psiquiatras tratam as causas e efeitos, neurocientistas estudam os cérebros procurando entender as conexões ou desconexões, yoga, mindfulness, meditação guiada, livros de autoajuda, drogas.

O Ocidente volta-se, tardiamente a meu ver, para o Oriente e descobre que há mais de dois mil anos o budismo traz uma explicação e, a reboque, uma solução para esta irritante palavrinha mágica. A ansiedade vem do singelo fato de não conseguirmos viver no presente ou viver o presente. Estar aqui de fato, apreciando o que está acontecendo ao invés de sofrer no futuro.

Ficar ansioso e em sofrimento porque vai gastar uma grana na obra do seu primeiro apartamento e acha pode precisar dessa grana quando envelhecer – grana que trabalhou a vida inteira pra juntar e que pode e deve ser investida para garantir que seu cantinho fique exatamente como quer – ao invés de pular de alegria exatamente por isso. Desculpaê, Brógui, você tá ansioso, em sofrimento porque está vivendo no futuro, não no presente.

Quer outro exemplo real?

Ficar ansioso porque está planejando uma viagem pensando que pode ter crise de ansiedade no caminho. Sério? Ficar ansioso porque pode ser que fique ansioso é o cúmulo do absurdo, cá pra nós. Ao invés de pensar que vai sentir desconforto porque são muitas horas de viagem, que tal pensar no destino? Não fique pensando em círculos, que vai dar problema na conexão, que vai ficar cansado e não aproveitar, que os passeios podem nem ser tão bons. Pense na experiência maravilhosa, curta os preparativos, sonhe com tudo o que vai conhecer e não sofra por antecipação porque algo pode ser que dê errado. Desculpaê, Brógui, você tá ansioso porque tá vivendo no futuro, não no presente.

O último exemplo? A cerejinha do bolo?

Deixar de viver uma possibilidade de um grande amor porque talvez, quem sabe, não funcionará como quer e então você vai sofrer. Sério? Você tá escolhendo sofrer agora, escolhendo ficar ansioso porque espera que não dê certo o que você quer que dê certo? Mais uma vez, desculpaê.

Ah! Diz o Brógui cético. Então quer dizer que você descobriu isso tudo e resolveu seu problema de ansiedade? Claro que não. Esse tipo de mudança de comportamento exige treino, comprometimento e tempo. No entanto, parte do caminho para não ficar ansioso é não ficar ansioso porque não quer ficar ansioso.

Simples assim.