Fatinha

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O bioma no universo paralelo

In humor on 10/01/2024 at 8:50 PM

Querido Brógui,

Tentando minimizar os efeitos desastrosos da boquinha nervosa com tempero de festas de final de ano e molho de férias, fui dar uma leve caminhada na beira da praia.

Calculei que, três quilômetros para ir, uma horinha de academia e mais três quilômetros pra voltar, seriam uma boa ideia.

A parte da caminhada foi muito bem, obrigada. Gosto de andar, às vezes ouço um áudio livro, às vezes um rockzinho, às vezes fico conversando com meus macaquinhos. Já a parte da academia…

Fiz o cadastro enquanto olhava as belíssimas instalações e, meia hora depois, adentrei à sucursal do paraíso dos seres humanos impossíveis de serem reais. Todos com aquele corpo esculpido a cinzel por algum personal trainer e um cirurgião plástico com complexo de Deus da Criação. Todos com a aparência de que ter acabado de sair do cabeleireiro, dado um trato na unhas, uma passadinha na esteticista e uma visita rápida ao dentista pra retocar o clareamento dos dentes. Não tenho noção de quantos profissionais são necessários para transformar aquilo que a natureza nos deu, com resultados, a meu juízo, questionáveis e, certamente, a peso de ouro.

Enquanto fazia meu alongamento, fiz minha análise antropológica dos seres que compõem aquele bioma. Nenhum daqueles animais exóticos possui gordura corporal. Só têm pele – dourada, obviamente – e músculos hipertrofiados. Disfarçadamente, dei uma pinçada nas minhas gordurinhas e pensei na minhas celulites – coisa que inexiste naquele universo paralelo. A visão de uma flacidez deve causar ânsias de vômito na população local.

Vou começar meus comentários mirando nas mulheres, que são mais loucas que os homens no quesito vaidade patológica. Foi um desfile infindável e incontável de coxas padrão tender, bundas empinadas que conseguem equilibrar um copo cheio de água sem derramar uma gota, abdomens perfeitos para lavar aquele pano de prato encardido. Braços de fazer inveja a qualquer estivador do cais do porto.

Todas as mulheres, repito, todas as mulheres fizeram demonização facial. Todas as caras mexidas, cheias de toxinas e fios e ácidos e outras porcarias. Exibem as bocas infladas, os olhos com pálpebras recortadas, bochechas altas diminuindo os olhos, nenhuma expressão facial, tudo paralisado.

Portam orgulhosamente as pestanas tipo toldo, sobrancelhas de hena pretas como as asas da graúna, algumas com eterna expressão de espanto. Ostentam unhas de fazer inveja a qualquer felino com garras mortais, com a diferença de que são pintadas de todas as cores de todas as paletas conhecidas e desconhecidas. Disfarçadamente, dei uma olhada nas minhas unhas que nem cutícula eu tinha tirado, olhei no espelho, dei uma sacada nas minhas ruguinhas, nas minhas olheiras e fiquei com pena das minhas pobres e humildes pestanas.

Passei então a observar os modelitos usados e vi que é obrigatório nesse mundo usar a legging com aquela preguinha na altura no cóccix – ô palavra filhadaputa de escrever! -. Não sei ao certo a utilidade daquilo, a não ser fingir que tá com a calcinha enfiada no rabo – sim. fingir. nenhuma delas estava fazendo uso dessa peça de roupa. Disfarçadamente, conferi minha bermudinha e meu top comprados por vinte contos no tabuleiro de uma loja fuleira. E eu estava de calcinha.

Quase à beira de uma crise depressiva, mudei o foco para os homens. Tentei, em vão, achar um colírio para meus olhos cansados. Um bando de macho com mais peito que eu, os braços cheios de calombos que creio serem músculos inchados, andando com as pernas abertas, porque os igualmente inchados músculos das coxas devem machucar um bocado as partes pudendas. Urravam, grunhiam, faziam caretas. Assustador. Tatuagens, barbinhas, bonés e sobrancelhas feitas. Todos.

Decidi então parar de perder meu tempo e tentar me misturar à população local pegando umas caneleiras. Já que eu estava no inferno, bora abraçar o capeta. Olhei em volta e vi a prateleira com o material. Ué… onde estão as caneleiras de dois quilos? Tolinha! Só tinha de dez quilos pra cima. Ok. Vou pegar uns pesos. Só anilhas de cinco quilos pra cima. Não consegui nem tirar do suporte.

Finalmente, me dei por vencida, peguei meu cachinhos grisalhos – eu era a única com cabelos cacheados e não-loura -, minha negritude – prefiro nem comentar -, meu corpinho sem nenhuma recauchutagem, meus quilinhos extras, minha autoestima e me mandei. Não sem antes gritar mentalmente um solene FUCK U BITCHES!!!!!!