Fatinha

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O caminho do meio

In humor on 13/06/2013 at 10:35 AM

Querido Brógui,

Lembro-me de um professora de Direito Administrativo que, falando dos regimes jurídicos, disse que o sonho de todos é criar um regime que conjugue o melhor de todos os regimes. No melhor dos mundos, uma pessoa física teria um tratamento de ONG. Ok, você não entendeu porque nunca estudou Direito na vida. Ok, vou mudar a abordagem.

De acordo com o taoísmo, o melhor caminho é o caminho do meio. Saca aquela coisa de ying, yang, equilíbrio, etc,etc, etc? Então: coisa de chinês. Não é à toa que eles vivem mais que todo mundo mesmo tendo que comer arroz usando palitinhos e ganhando um salário mínimo menor que o brasileiro. Só que essa negócio de caminho do meio é complicada, nem sempre dá pra harmonizar o tao, a gente tem que fazer opções, descer do muro, meter o pé na jaca.

Como a gente tem mania de achar que a grama do vizinho sempre é mais verde, acaba esquecendo de que as escolhas – nem sempre fáceis – que fazemos, carregam, inevitavelmente uma renúncia. Domingo de manhã. Solzão. Caminha aconchegante. Ou pula da cama e vai pegar uma praia, ou fica dormindo. Não dá pra levar a cama pra praia, nem trazer o mar pra dentro do quarto. Percebe?

A vida nos traz encruzilhadas, pequenas, grandes, médias. Com sorte, conseguimos percorrer os vários caminhos possíveis, experimentar todos os regimes, mas depois de algum tempo, uma – ou mais de uma – das possibilidades há que ser deixada de lado. Geralmente escolhemos errado e ficamos nos amaldiçoando pro resto da vida. Normal, não podemos evitar o pensamento  “se”.

Você tem um corpão, sequinho. Acordo todos os dias às cinco da manhã para correr, não como doce nunca e s0nho com torresminhos correndo atrás de mim. 

Você é solteira, pode escolher o filme que quiser para assistir, eu tenho que ficar perguntando pro meu marido se ele quer ir e acabo só vendo o que ele quer. Quando quer viajar, escolhe o lugar, compra a passagem e se manda. Não tem que negociar nada, nem dar satisfações se comprou mais uma sandália. Assisto ao filme que eu quero, na hora que eu quero, mas, no domingo, bom mesmo é ir ao cinema de mãos dadas, nem que seja pra ver filme de porrada. Adoro não ter que negociar, nem dar satisfações, mas ver Rafael no Museu do Prado sem poder falar alto que aquilo é a coisa mais linda do mundo não é legal.

Na iniciativa privada ele ganha muito mais que eu. Tá cheio de dinheiro, mora bem, tem carrão. Não sabe o que é fazer conta no final do mês, deixar de sair porque a grana não dá nem pra uma pizza brotinho. Ele não descansa nunca, se tirar férias, quando voltar tem outro sentado na cadeira dele. Do mundo, só conhece os aeroportos. Jamais compareceu a uma festinha de família. Enfartou com trinta anos.

Bom mesmo é não ter filhos. Dá um trabalhão, ficam doentes o tempo todo, custam uma fortuna, enchem o saco e ainda por cima crescem e viram adolescentes. Um bebezinho é fofo, quando começam andar é fofo, quando falam é fofo, quando aprendem a ler é fofo… (desculpa, não dá pra dizer que adolescente é fofo).

Você não precisa lavar o cabelo todos os dias. O meu é oleoso, não tem jeito. É verdade, mas todas as semanas tenho que fazer hidratação senão o cabelo fica com a textura d e um arame farpado. 

Não dá. Dá? Sempre achamos motivo pra reclamar, pra achar que a vida do outro é melhor que a nossa, que somos vítimas dos azares do destino. O melhor mesmo seria trabalhar pouco, ganhar muito, ter um marido rico, bonito, gostoso, que não jogasse toalha molhada em cima da cama e nem cueca suja em cima do meu estojo de maquiagem. Perfeição total é ter um monte de criancinhas de comercial de sabão em pó, mas sem a parte de trocar fraldas, enfiar comida goela a dentro, esperar acordada de madrugada porque o moleque saiu com os amigos e não tá nem aí pra violência urbana. Ir à praia e torrar sem ter que me melecar de filtro solar, viajar pra onde quiser porque meu companheiro me deu carta branca pra decidir tudo sozinha, aliás, melhor ainda: decidir pra onde quero ir e deixar ele resolver tudo pra mim. Envelhecer me sentindo cada vez melhor, mas sem que o corpinho não esteja mais dando conta. Comer batata frita todos os dias e não engordar nem um grama, nem precisar me matar na academia. Morar numa casa maravilhosa que tivesse um dispositivo auto-limpante porque fazer faxina é uma das piores coisas do mundo, um carro confortável que andasse sozinho pra não eu ter que envelhecer no trânsito.

Por que eu estou com essa conversa mole a essa hora da manhã? Na verdade, estou pensando nisso desde às seis horas da madrugada, quando fui acordada pelo foguetório da Igreja de Santo Antônio. Comecei a cantarolar aquela música: “matrimônio, matrimônio, isso é lá com Santo Antônio” e daí em diante foi uma viagem total na ideia de “será que eu seria mais feliz se tivesse me casado”? Daí vieram todas as opções que fiz, todas as vezes em que coloquei na balança prós e contras, todas as vezes que falei “ainda bem que”, todas as vezes em que fui obrigada a me desviar do caminho do meio.

Na verdade verdadeira, o texto tinha ficado muito melhor na minha cabeça do que agora que escrevi. Mas fazer o quê? Tinha que levantar, me arrumar e vir para o trabalho. Bom mesmo era quando eu tinha folga na quinta-feira…

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