Querido Brógui,
Tigrão baixou na oficina. É, apesar de ele ter pouco mais de cinquenta mil quilômetros rodados, é um jovem senhor de sete anos, recém completados. Uma máquina quase virgem de batidas – eu tenho o péssimo hábito de catar meio-fio e buracos pelo caminho. Tirando isso, nenhuma colisão – quer dizer, quase nenhuma, ele tem uma cicatriz de quando foi atropelado por uma bicicleta, parado na porta de casa. É relativamente bem cuidado, apesar de só tomar banho uma vez a cada quinze dias. Alimenta-se regularmente e não carrega muito peso.
Mas, vamos e venhamos: eu, humana, sinto o peso e as transformações da idade, com a decrepitude dela decorrente. Tigrão também, com algumas poucas diferenças. Eu vou pro hospital, Tigrão vai para a oficina. Eu pinto as unhas e os cabelos, Tigrão troca peças. Eu uso cosméticos, Tigrão leva polimento. Eu bebo Coca-Cola, Tigrão bebe gasolina.
Ele apresentava, há algumas semanas, um barulhinho anormal. Um inc-inc, que se transformou num nheco-nheco, que virou um bloft-bloft. Bloft-bloft foi demais. Acho que pode ser algo grave, pensei. Levei-o até a oficina. Deixei-o lá para um atendimento emergencial com o mecânico da família.
Liguei, como uma mãe neurótica, quatro vezes durante o dia para saber do diagnóstico. Nãoseioquê axial. Ou braxial. Sei lá. Assim, de sopetão, o mecânico me informou. Hein? Ele repetiu e explicou. Hein? Ele repetiu, explicou e detalhou. É alguma coisa na direção, entendi.
É grave? Ele ainda está no elevador. Vou ter que desmontar. Desmontar? Tudo? Não, só a parte da frente. Fica pronto hoje? Não. Vai ter que ficar.
Tigrão, tadinho, sete anos de idade, nunca dormiu fora de casa. Um pernoite desagradável, numa noite de frio, longe de sua garagem aconchegante. Deve estar se sentindo muito triste, sozinho naquela oficina escura, cercado por um monte de carros desconhecidos, para amanhã ser futucado por pessoas que ele nunca viu.
Durma bem, Tigrão. Mamãe vai rezar pra vc ficar bom logo e voltar pra casa.