Querido Brógui,
Peço sua licença para fugir – e muito – do meu objetivo quando escrevo para você, que é lhe proporcionar alguns minutos de diversão. Hoje ocorreu um fato lamentável na escola em que trabalho e que me deixou profundamente triste.
Um aluno – reincidente – me afrontou com atitudes desrespeitosas, palavreado chulo e eu o convidei a se retirar da sala para que se acalmasse. Sim, Querido Brógui, professor tem que escutar tudo, viver tudo, sentir tudo, sem perder a fleuma, sem demonstrar descontrole emocional, como se fora um anjo caído do céu.
Momentos depois, já na hora do intervalo, momento esse em que eu deveria ter o direito de me sentar, ir ao banheiro, tomar meu café, conversar fiado com minhas colegas de trabalho e tomar fôlego para o segundo round, fui chamada à sala da Direção porque o padrasto do garoto estava querendo saber o que havia acontecido. No gabinete, já se encontravam dois guardas municipais – que pelo que entendi haviam sido chamados para dar conta de outro furdunço acontecido.
Comecei a relatar o ocorrido quando entrou a avó do garoto, com a qual ele mora. O padrasto se dirigiu a ela pedindo para que se retirasse. Eu olhei para um, para o outro, calada, esperando. A senhora então se dirigiu à minha pessoa, aos gritos, perguntando por que eu estava debochando da cara dela. !!!! Repito: eu nem lhe dirigi a palavra, estava calada, esperando os dois resolverem quem ia ficar e quem ia sair do gabinete.
Mas o barraco não parou por aí. Uma outra aluna, não sei porque cargas d’água entrou também na sala e a avó do garoto, partiu pra cima dela, gritando que ela tinha chamado o neto dela de ladrão. Parênteses: tudo começou por causa de uma caneta.
Daí começou o maior barata voa, larga a garota, me larga, diretor impedindo a avó de pegar a menina, os guardas segurando o padrasto para não agredir o diretor, um monte de alunos na porta querendo saber o que estava acontecendo, eu mandando os alunos saírem dalí, uma gritaria que nem sei direito descrever.
Moral da história: pela atitude da avó, bem se pode imaginar onde o garoto aprendeu a ser descortês e a não respeitar ninguém. Pode-se também imaginar que o problema familiar é seriíssimo, briga de família, avós com mãe, padrasto e o moleque no meio de tudo isso, descontando sua infelicidade em quem não tem absolutamente nada a ver com o babado. Pode-se também mais ou menos prever o futuro desse garoto descontrolado emocionalmente, fruto desse lar desconstruído, sem limites sendo impostos, sendo acobertado pela leniência dos adultos que o criam. Está sendo formada uma pessoa que não assume os seus erros, sempre colocando-se como vítima de situações, que não reconhece autoridade alguma, que não se responsabiliza por suas atitudes e que reage agressivamente caso seja contrariado.
O outro lado da história é que temos um sistema no qual o menor de idade é protegido dos abusos – o que é certo – e se aproveita dessa garantia para atacar a quem quer que seja, certo de que nada irá lhe atingir. A verdade é que, à guiza dessa proteção, criou-se um paternalismo barato, que defende que qualquer coisa pode traumatizar a criança e o adolescente. Não se pode mais brigar, punir, reprovar, nadinha. O que precisamos é passar a mão na cabeça do menor porque o coitado é marginalizado desde que nasceu, porque precisamos aumentar sua auto-estima e outros tantos chavões que nós, professores, somos obrigados a engolir a seco, como se fôssemos uns carrascos e os alunos indefesas vítimas. Querem nos convencer de que somos responsáveis pelo fracasso da família que não suporta o ônus de criar seus filhos e que traz a reboque o fracasso escolar. Já ouvi inclusive que “temos que resgatar uma dívida com esses alunos.” Que dívida? O que eu ainda posso estar devendo ? – se é que algum dia devi.
Sou professora há séculos e jamais desrespeitei um aluno, mas sou obrigada a aturar toda a forma de desrespeito – seja do alunado, seja dos seus “responsáveis”, seja do tal do “sistema” que exige de mim mais do que a Igreja Católica exige para a canonização de uma pessoa.
Sempre acreditei no poder transformador da educação e continuo acreditando, mas a concorrência com o lado negro da força é desleal, ainda mais sem contar com o apoio daqueles que deveriam ser nossos parceiros nessa empreitada e não nossos opositores.
Tá feito o desabafo. Obrigada pela atenção.
Mais um Bruno em formação.
Lamentável é pouco, amiga.
Bjs
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Fatinha, sei bem o que vc sente. e a pergunta que não quer calar é: quem vai nos socorrer?
Mil beijos
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Fátima:
Esse seu desabafo é, de fato, muito sério.
Acho que você deveria mandá-lo para a seção “Opinião” do jornal “O Globo”. É pouco provável que saia no jornal impresso, mas tem chance de sair na versão digital. Além de bem escrito, o texto toca numa escara que a sociedade está querendo tapar com um mero “bandaid”.
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e é como se estivessemos ali somente para apagar incêndios!
nem sei mais se sei dar aulas(vendendo seria mais justo!).
é demais dizer que a escola toda esteve em sombrios movementos por conta disso e as agressões vivem a nos rondar?
sou solidária ao seu sentimento de impotencia e indignação quanto a esse horrendo fato com desfecho mais horrendo e temeroso para todos nós professores e alunos que poderiam vir a nos cogitar como orientadores e não carcereiros…
beijos solidários e amorosos
liana
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Amiga, difícil comentar, falar. Gostaria apenas de que o pessoal do ECA, das CREs, dos juizados, as famílias (se é que merecem tal nome)passassem algumas semanas na escola, alguns meses, inclusive em sala de aula. Quem sabe algum “voluntariado” em caráter obrigatório, mas todo dia, ali!!!!!!!!!! Creio que as leis iriam ser repensadas antes que eles enlouquecessem ou se suicidassem. É uma pena. você não merece isso. Sou testemunha!!!!!! Aliás, nós não merecemos… mas as férias estão chegando. BEIJOS.
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Minha querida amiga…
Sabes que sou teu fã de carteirinha desde há muito, quando começavas o “meu querido brogui”.
Gosto do teu estilo. “Linkei” teu blog ao meu com tua permissão, lembra?
O que fazes hoje, não é apenas um desabafo, é um GRITO DE SOCORRO que todos deveríamos imitar.
Já perdi a conta de quantas vezes já escrevi sobre a INVERSÃO DE VALORES que se instalou sobre nossa sociedade podre e decadente. Enquanto nossos “dirigentes” (acho uma piada usar este termo para designar nossos políticos) priorizarem o voto em vez dos valores humanos, será esse dejeto visceral a nos cobrir incessantemente e, o que é pior, temos que aprender a gostar do aroma que lhe é peculiar. Se a grande maioria dos débeis mentais (que me perdoem os verdadeiramente retardados) gosta do cheiro de fezes, problema deles e não meu. Eu não, prefiro o das flores da cultura, do discernimento, do amor ao próximo, do respeito, da educação.
Um beijão bem grande.
osvaldo
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Fatinha, nem vou dizer que fiquei chocado. Já estou chocado desde que isso tem se tornado um fato corriqueiro. O que choca é os diregentes das secretarias, ministérios não abrirem o bico na altura de uma vuvuzela e avisarem pra nação de que isso é grave e vai ter desdobramentos terríveis num futuro próximo. Eu moro num bairro repleto de professores e o que se conversa quase que diariamente é só violência, agressões, falta de limites, prepotência dos pais e responsáveis e por ai. Abraços consternados. Paz e bem.
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Oi Fatinha,
Não sei até quando ou como aguentaremos tanto descaso e descuido.
O pior é que estes acontecimentos estão se tornando rotineiros em nossa vida de professor. Não estamos mais conseguindo o tempo para respirar.
Beijocas
Solange
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Nossa Fatinha, fiquei realmente chocada agora!
Essa é a geração que os pais, responsáveis e o sistema estão gerando.
Toda sorte de desordem acontece onde não há limites.
Beijos!
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