Querido Brógui,
Você pode achar estranho, demodé ou coisa do tipo, mas ainda existem sapateiros no mundo e pasme, gente que, como eu, manda botar meia-sola na sandália. Sabe aquela sandalinha que não machuca nem que você ande o dia inteiro? Então: você, em sã consciência, amando seus pés como amo os meus, jogaria a peça fora só porque a sola rachou de tanto usar e está tão gasta que você derrapa em qualquer curva? Duvido.
A loja, olhada por fora, está em ruínas. A marquise ameaça desabar a qualquer momento e a fachada está só no tijolo. Olhada por dentro, é assustadoramente imunda. Mais imunda do que qualquer outra loja onde o sapateiro exerce seu ofício. Sim, todas elas são nojentas. O balcão apinhado de restos de couro, tecido, cola. A mesa de trabalho, pior ainda. Sapatos recauchutados misturam-se despudoradamente aos arrebentados. Sapatos rejeitados pelos seus donos, que mandaram consertar e mudaram de ideia, jazem alí, abandonados à própria sorte esperando que alguém os resgate. O cheiro de poeira mistura-se ao de chulé e ao de cola (famosa por ter outro uso que não remendar sapatos e bolsas). Pelas paredes, mais sapatos, esses feitos por encomenda, creio. São botas estilo drag queen ou passista de escola de samba.
Do meio do caos sapatício emerge ele, o sapateiro, tão sujo quanto todo o restante do cenário. Nem se ele tomasse um bom banho, o que acho que não faz há décadas, nem que ele ficasse de molho na água sanitária misturada com cloro puro, nem assim aquele encardido de sua pele sairia. Com a truculência característica de todo sapateiro, põe os óculos na ponta do nariz, diz o preço, escreve meu nome na sola da sandália, dá as costas e volta a sentar no seu banquinho para terminar o almoço que eu sem querer havia interrompido.
É essa a lembrança que guardo dos sapateiros e de suas lojas dos idos de minha infância e é assim que permanecem até hoje. Que bom.
Fatinha, sua visão do mundo eh S-E-N-S-A-C-I-O-N-A-L!!!! Amamos, bjs grandes
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Fatinha, que delícia o seu blog! E que delícia de crônica também. Aqui perto da minha casa tem um sapateiro desse tipo. De vez em quando fica tão entulhado de sapatos de pessoas que não voltam para buscar que ele põe à venda: R$ 1,99 . rsrs. Um abraço. Paz e bem.
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Meu Deus!!! A descrição é tão perfeita que fiquei surpresa!!! Só ñ senti o cheiro do chulé, felizmente!
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a descrição está tão perfeita que quase senti o cheiro do chulé mais a cola rsrsrsrs
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Fátima, eu também tenho um sapateiro a quem, volta e meia, recorro para um consertozinho ou outro. Mas o meu é “vip”: além de ter todas as características do seu, é a cara do Antônio Conselheiro, o da Guerra dos Canudos, nas gravuras dos livros de Literatura. Quando vou nele, sublimo a “sapataria” (igualzinha a que você descreveu) e me sinto na própria ABL.
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