Querido Brógui
O que é “morar mal”? Atualmente, temos nós, moradores do Rio de Janeiro, nos confrontado com uma mudança drástica nos paradigmas e, sendo assim, responder pergunta supostamente tão óbvia fica meio difícil.
Outrora, “morar mal” basicamente era morar fora da Zona Sul, morar “além túnel”. Pra você que não mora no Rio, abra-se um parênteses. Entenda que na Zona Sul tem praia e, no Rio, praia é tudo. Todo o nosso referencial vem do mar. Por conta disso, bairros mais novos, nos cafundós de Judas, na Zona Oeste, mas que têm praia, entram no conceito “morar bem”. Logicamente, como não poderia deixar de ser, os moradores da Barra da Tijuca e adjacências sofrem toda a carga de preconceito e desprezo dos moradores da Zona Sul, sendo taxados de novos-ricos ou ex-suburbanos-que-migraram-para-perto-do-mar (o que é uma grande verdade, diga-se de passagem). Por outro lado, sofrem também toda a carga de inveja e despeito dos suburbanos que sonham em se mudar pra Zona-Oeste-que-tem-mar, nem que seja para morar num micro-apartamento de fundos, mas de cuja micro-janela, de binóculos, dá pra ver o Oceano Atlântico. Tem gosto pra tudo, né?
De uns tempos pra cá, o paradigma mudou. Além de “morar mal” porque é longe da praia, se “mora mal” porque se mora perto de uma favela (ops!) ou porque se tem que passar perto dela pra chegar em casa. Associamos a idéia de favela (chega de ops!) à periculosidade, associação essa verdadeira, infelizmente.
Que fique claro aqui que quando me refiro à favela com um lugar perigoso, não estou dizendo que lá só tem bandido. Muito pelo contrário, tem muito menos bandido que gente trabalhadora, gente essa que como nós (ou em escala muito maior) é refém da bandidagem. O fato é que esses criminosos se encastelaram nos morros cariocas, com o aval de um certo governador já falecido, e agora, já era. Não tem como tirar os caras de lá. Tem?
E aí? Como fica a classificação do que é ou não morar bem? Pense bem: há diferença entre morar no pé do morro ou morar a duas quadras dele ou sabê-lo ali perto mesmo que não o veja? A periculosidade diminui na razão da distância? Você está seguro longe de uma favela? E como ficar longe de uma favela, se a geografia do Rio não ajuda? Na Zona Sul há várias delas, como fica esse critério? Por ser Zona Sul mora-se “bem” mesmo que tenha que blindar a janela do seu apartamento? Percebeu como é difícil a coisa da classificação? E tem mais: ainda que não se more perto de uma delas, para se locomover, seja lá de onde você venha e pra onde você vá (mesmo que seja para o aeroporto) é necessário fazer a escolha do caminho menos pior, porque não tem saída. Aqui é morro pra tudo que é lado, e, encarapitada em cada um deles, uma favela, fora as que não são no morro.
Por que estou tão revoltada hoje? Porque fiquei desolada ao descobrir que a rua em que moro, vizinha ao Morro dos Macacos, virou área de risco. Como descobri? Váááários indícios. Quando tentei comprar um produto pela Internet e fui informada de que não fazem entregas nessa rua. Quando pedi uma comida japonesa e tive que convencer a moça de que não tinha boca-de-fumo na minha porta. Quando tive que pedir pelo amor de Deus pra um cara vir aqui em casa fazer um serviço e ele só concordou quando prometi a ele deixar que estacionasse o carro na minha garagem. Nem o GPS do celular da Roberta consegue localizar essa rua, ela não está no mapa. Pode?
Como sou generosa, quero dividir o título honroso de “morar mal” com todos os habitantes da Cidade Maravilhosa, que é uma grande favela, uma grande área de risco, onde todo mundo mora mal, seja na beira da praia ou no cocuruto do morro, seja numa casa confortável ou num cubículo 3X4. Quero deixar aqui registrado que, mesmo que um dia eu saia de Vila Isabel, não será isso a me fazer sentir mais ou menos segura. Quero dizer também que não acho que sair do Rio seja a solução, não somos os únicos a ter o privilégio de morar em lugar perigoso, basta acompanhar o noticiário na televisão. Também não vejo como solução sair do Brasil. A safadeza que gera a miséria, que gera a desigualdade, que gera a violência, que gera a insegurança está em toda parte do mundo. Talvez a solução seja pegar um foguetinho e sair do planeta. Ou não. Em qualquer lugar do Universo vai ser a mesma coisa, porque a nossa capacidade de destruição é ilimitada, começando pela nossa própria espécie.
Querido Édio,
Adorei seu depoimento e fico esperando novas participações. Nada como um feedback pra massagear meu coração(tá pensando que só você é poliglota? ou será troglodita? Uma vez meu aluno disse que queria ser um troglodita, falar mais de uma língua. Tadinho! Falei pra ele que era uma ótima idéia, mas sugeri que começasse pelo português, para depois passar para os demais idiomas. he he he).Bjs. Paz.
PS: curriola não tem acento. Parabéns!
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Fátima,
Concordo com quase todas as suas ponderações, e tenho uma teoria: as pessoas boas acabam por se afastar das sujeiras e deixam que a sujeira continue a imperar…infelizmente, a curriola (tem acento???) é forte pois o certo seria que as pessoas de bem fossem candidatos a vereador, deputado, etc e (re)conquistassem pouco a pouco esta cidade que está a beira do caos. Vamos ver se Paes e outros conseguem dar mesmo o tal do choque de ordem ou se vai ser mais um “dog and pony show” (que traduzido seria algo como “coisa para inglês ver”).
Ah, sim…a única coisa que não concordo é que sair do país não adianta pois “A safadeza que gera a miséria, que gera a desigualdade, que gera a violência, que gera a insegurança está em toda parte do mundo”. Realmente está, mas o grau é que a diferença…aqui no Brasil a safadeza impera e é impune! Em algumas partes do mundo, as pessoas podem até ter vontade de serem safadas, mas sabem que podem ser punidas. Também é óbvio que mesmo nestes lugares, injustiças são cometidas, etc. mas a maioria é punida. Caraca! Isso é um comentário ou um depoimento??? Bem, peço que releve a extensão da “peça” pois é minha estréia…prometo fazer comentários mais breves no futuro! Beijos, Paz! (onde eu já vi isso???)
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Confesso que estou gostando de morar na ZS, nunca tinha morado aqui. Adoro o fato de ir aos lugares de bicicleta ou de Metro. Tenho até cartão do danado. Agora vou comprar do ônibus.
Quando eu morava na ZO tinha dois carros, duas motos e duas bicicletas. Agora resolvo tudo, com menos stress com um carro e duas bicicletas, sendo uma só usada para passeios.
Viu como melhorou…..
Bjs
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Amado Mestre
Vc não captou a mensagem em sua totalidade. Não relacionei a violência ou a falta dela à proximidade do mar. Disse que morar perto da praia, como ideal de “morar bem”, é um paradigma que está perdendo força, na medida em que há violência com vista para o mar. Sendo assim, em tese, mora-se “bem” morando-se “mal”. Também não ignoro que existam lugares menos ou mais perigosos, mas não há como se dizer seguro em lugar algum, apenas mais ou menos inseguro. Por último, mas não menos importante, cabe a pergunta: tá se doendo pq mora na ZS? rs rs rs
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Oi Fatem !
Este texto então defende idéia de que esta cidade é toda perigosa por igual. Não existe lugar mais e lugar menos.
Concordo com a idéia de que a cidade é perigosa, mais do que a maioria das metrópoles, mas acredito que existam dentro delas lugares mais perigosos e outros menos, e tal diferença não é ditada pela proximidade do mar.
Caso vc discorde, olhe a planilha existente no item cinco do link a seguir e compare as várias ocorrências registradas formalmente em nossa cidade. Olhe Campo Grande com carinho e depois me diga se é tudo igual.
Bjs
http://www.ucamcesec.com.br/est_seg_esp.php
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Fafá
Você sabe que gosto muito dos seus textos, mas este está perfeito.
Concordo em gênero, número e grau.
Saudações suburbanas!
Lelê
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