Fatinha

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Edição especial de Ano Novo

In humor on 25/12/2021 at 11:55 AM

Querido Brógui,

Estava eu varrendo o quintal, às 6 horas da manhã, meditando. É. Tem gente que reflete meditando em posição de lótus (não sei como conseguem isso com as pernas dormentes e dores lombares), tem gente que o faz sentado horas a fio na beira de um lago tentando pescar só pra depois devolver o pobre peixinho para a água (nunca entendi muito bem este conceito de pesca recreativa) e eu, fazendo serviço pesado.

Uma das minhas descobertas sensacionais do ano foi que esfregar rejunte com escovinha de dentes, limpar portas e dar polimento em pia de inox até virar espelho são atividades que têm múltipla função: combater o stress, esvaziar a mente de problemas para enchê-la de soluções, fortalecer a musculatura e, de quebra, fazer seu habitat não ficar com aquela aparência de chiqueiro.

Pois é. E nas minhas profundas reflexões fiz aquele famosa e batida retrospectiva do ano que está acabando. Lembrei de tudo o que aconteceu e fui separando os momentos merda dos momentos uhu. Um pensamento puxando o outro, fui colocando tudo em caixinhas etiquetadas, jogando fora o que só serve pra ocupar espaço no meu combalido HD. Coloquei tudo numa planilha excel e, quando finalizei o balanço, vi que o saldo foi positivo.

Longe de mim querer bancar a Pollyanna, livro que eu li quando era mocinha. Basicamente, pensar Pollyannamente significa ver o lado bom em tudo que é desgraceira que acontece. Ela chamava de “o jogo do contente”. Algo como receber um par de muletas de presente e ficar contente porque não precisa usá-las. Céus! Como posso lembrar de uma história lida no século passado e não ter a menor noção do que almocei ontem? Mesmo não sendo tão positiva quanto a heroína do livro, acredito que dá pra aproveitar muita coisa dos momentos merda, nem que seja pra falar que ainda bem que passaram.

Parte do que aprendi este ano foi acolher meus sentimentos negativos, minhas emoções confusas, meus sofrimentos e angústias sem ficar com raiva de mim por estar vivendo tudo isso. Aprendi a aceitar que “tudo bem não estar bem”. Sim, Broguinho, seu guru espiritual também tem momentos deprê. Desculpe aí, mas sou “humana, demasiadamente humana“, como disse Nietzsche. Chorei muito, fiquei dias sem comer, sem querer levantar da cama, sem me arrumar, achando que viver não fazia o menor sentido (bem… no mais das vezes não faz mesmo, mas e daí?).

Aí você coça o queixo e pensa: “tá. mas o que de bom há em ficar se sentindo um pano de chão rasgado e fedorento?”. E eu respondo que, a princípio, nada. Não é nada bom sentir dor. Não é nada bom olhar para a frente e ver um grande buraco negro prestes a lhe engolir. Não é bom querer que uma bala perdida encontre você ou que o mundo acabe em barranco pra você morrer encostado. Não é nada bom mesmo. No entanto, passada a crise, dá pra avaliar suas consequências e dizer que “ufa! que merda que eu estava e não estou mais.”

Me perdi, me encontrei, me perdi de novo e me encontrei de novo. Nesta busca, contei sempre com mãos a me guiar, orientar ou apenas apoiar (há vezes em que nada mais se pode fazer além de segurar pra não deixar cair de vez ou até mesmo cair junto para amortecer o impacto). Contei com amigos de sempre (aqueles que caminham comigo desde que o mundo é mundo) e amigos não tão antigos, mas não menos importantes. Conquistei amigos fresquinhos, que trouxeram novas perspectivas. Reencontrei amigos que (sei lá por que) haviam ficado em alguma curva da estrada. Por todos os lados, ao meu redor, num esforço conjunto, todos eles me ajudaram a sair da merda.

Este foi o lado bom da merda. Ter a certeza de que, por mais fudida que eu esteja, sempre haverá um amigo ali de prontidão. Sentir-me amada e protegida. Segura e cuidada. Sem julgamentos, sem cobranças, sem críticas. Saber da existência destas pessoas, meus anjos da guarda, me trazem uma felicidade indizível. Pode parecer frase feita (e de fato é), mas “amigo é pra estas coisas” é uma realidade. Ser “amigo” de farra, é mole. Quero ver ser amigo de fossa. Amar a pessoa pelo que ela é, é fácil. Quero ver amar a pessoa apesar de ela ser quem é.

No processo de “shoud I stay or shoud I go”, aos poucos fui colocando a roda da minha vida pra rodar de novo. Neste movimento, tudo vai acontecendo em sucessão. É complicado dar o primeiro impulso na roda. Difícil mesmo. Não há força, não há disposição, não há norte, não há nada. A inércia é total e parece lhe abraçar. Respeitei isso. Deixei acontecer (sem alimentar), sabendo que parte da cura é aceitar a doença. Um belo dia acordei e me senti bem. Aproveitei esta fagulha pra acender minha fogueirinha.

Não lembro exatamente da ordem cronológica dos acontecimentos, qual foi o primeiro impulso, mas ele aconteceu. Olhei no espelho e reconheci a pessoa que me olhava de volta. Cortei os cabelos, comecei a fazer atividade física, o apetite voltou, o sono de qualidade voltou, a ATM parou de me atormentar, arrumei, limpei, comprei coisinhas bonitas, úteis e inúteis. Comecei a ter mais foco, prestar mais atenção no que fazia, parei de sentir dores. Fui pra piscina, li dezenas de livros, ouvi música. Sorri. Aprendi a ligar o foda-se e rever minhas prioridades. Larguei de mão esta farsa de perfeição. Não sou perfeita. Você não é perfeito. O mundo não é perfeito. E daí?

Já posso até adivinhar sua próxima indagação. Você quer saber o segredo, a fórmula mágica, a receita do bolo pra sair da depressão. Desculpe aí mais uma vez. Lamento lhe informar que não tenho esta informação para dar. Posso lhe dizer que aceitei meu sofrimento, mas não me entreguei a ele. Também posso dizer que busquei ajuda. Dei tiro pra tudo que é lado e acertei a maioria deles. Contei com uma equipe multidisciplinar, atacando todas as frentes.

Próxima pergunta? Ah! Se eu resolvi meus problemas? A causa de tudo? A origem? Claro que não. Aprendi a lidar com eles, administrá-los, dar a eles a devida atenção (nem demais, nem de menos). Os problemas reais não têm solução. Os que tem solução, não são realmente problemas, são pedrinhas no sapato. Você tira o sapato, sacode e pronto. Os problemas reais são o próprio sapato e não adianta comprar um novo porque vai machucar também. Em outro lugar talvez, mas vai machucar. Rapidamente você retruca: então tira o sapato. Tá. Me aponte uma pessoa que vive bem sem sapatos. Não há. Os sapatos são necessários, ainda que machuquem.

Mais alguma dúvida? Deixe aqui seu comentário, que eu terei o maior prazer em responder. Se eu souber a resposta, claro, o que é pouco provável.

PS: já ia esquecendo: que 2022 seja menos merda que 2021.

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