Fatinha

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um ano

In humor on 01/06/2017 at 1:23 PM

Há um ano Mamãe saiu do hospital e voltou pra casa, após 52 dias de internação. No hospital, vivi com ela. Estava internada com ela.

UTI. De manhã, lá ia eu saber do boletim médico. Quadro estável, sem intercorrências. Visita à tarde. Quadro estável, sem intercorrências.

No dia seguinte, tudo de novo. Ou pior.

Respirando com cateter. Oxigênio. Acesso profundo. Direto na jugular. Não tinha mais como pegar a veia.

No dia seguinte, tudo de novo. Ou pior.

Sonda nasogástrica. Ela não se alimentava mais. Pedi para ir dar comida pra ela. Obtive autorização. Dava o almoço. Saía. Hora da visita, entrava. Saía de novo. Hora do jantar, entrava. Ia pra casa, banho, cama.

No dia seguinte, tudo de novo. Ou pior.

Infecção urinária. Sonda. Rins meia-boca. Pulmão ainda infiltrado. Coração não estava dando conta.

No dia seguinte, tudo de novo. Ou pior.

Atada ao leito. Estava entrando na fase do delírio. Ficava agitada. Trocava o dia pela noite. Também… quem consegue saber, dentro de uma UTI, se é dia ou noite?

No dia seguinte, tudo de novo. Ou pior.

Exames, exames, exames. O que ela tem? Estamos pesquisando. Os rins estão brigando com o coração, que está brigando com o pulmão. Estamos ajustando a medicação.

No dia seguinte, tudo de novo. Ou pior.

Sua mãe arrancou tudo durante a noite e não deixa colocar de novo. Tudo o quê? Tudo. Acesso, sonda, medidor de pressão e frequência cardíaca, cateter. E agora? Deixa sem. Vamos acompanhar. Foi bom. Durante o delírio, ela resolveu tudo. Acelerou o processo da alta. Provou que aquele monte de tubos e fios não eram pra ela.

O que ela tem? Aqui não é lugar pra ela. Os vizinhos dela estão em coma. Ela pode se recuperar no quarto. Estamos pesquisando. Exames, exames, exames. Depois de muita briga, muita Ouvidoria, alta para o quarto. Não tem quarto disponível. Como não tem quarto? Mais uma noite. No dia seguinte, tudo de novo. Briga, briga, pede, pede, não tem quarto.

Agora vai. Tem quarto. No sábado? Negativo. Não vou tirar minha mãe da UTI pra cair na mão de plantonista. Se o Rotina dá defeito, imagine o Fraldinha de plantão?

Agora vai. Quarto.

Eu, no sofazinho maldito, onde ou cabe a cabeça, ou cabe o pé. Noites mal dormidas ou não dormidas. Eu e ela. O sono é interrompido pelos seus delírios, suas conversas, reclamações – abaixa a cama, levanta a cama, me vira, me desvira, tira o cobertor, bota o cobertor, me dá água. O sono é interrompido quando tosse, quando engasga, quando começa a cantar, bate palmas. Mamãe, pelo amor de Deus! Vai dormir! Me deixa dormir!

Às seis da manhã, começa o entra-e-sai do quarto. Medicação. Pressão. Glicose. Café da manhã. Banho. Sinceramente, não sei quem estabelece estas rotinas. Quando o paciente começa a dormir, vem a colação, a medicação, a fisioterapeuta, a nutricionista, a visita médica, o almoço, a higiene, o técnico de enfermagem, o técnico do laboratório. Um agito sem parar.

Quando vai ter alta? O que está faltando? Ela está cada vez pior. O corpo dela está se deteriorando. A lucidez tá indo embora.

Briga, pede, chora, reclama, argumenta. Vamos pra casa.

Operação de guerra. Ambulância. Leito hospitalar. Cuidadora. Fraldas descartáveis. Remédios. Camisolas. Cadeira higiênica. Alimentação pastosa. Perda de tonicidade muscular, queda plantar, ainda delirando à noite.

Fisoterapia. Reabilitação. Aprender a virar-se na cama. Aprender a sentar, a ficar de pé, a segurar o copo, a controlar os esfícteres. Cadeira de rodas, andador, muleta, bengala. Comer sozinha, comida sólida, comprimidos sem ser macerados. Servir seu próprio prato, dar uma voltinha na casa, subir dois degraus. Tudo era motivo de festa, aplausos, uhus, lágrimas, sorrisos.

Um ano difícil, mas que passou. E rápido. Vitórias pequenas comemoradas como grandes conquistas. Grandes conquistas celebradas como uma grande vitória. Um ano de redefinição de paradigmas. O que importa? Quem importa? Quem se importa? Qual é a próxima meta? Viver um dia de cada vez, valorizar as pequenas coisas, agradecer, agradecer, agradecer.

Obrigada à Vida, por existir. Obrigada aos meus amigos, por estarem sempre lá, na alegria e na tristeza. Obrigada ao meu trabalho, por me proporcionar a tranquilidade material tão necessária. Obrigada pela oportunidade de aprendizado, por ter me tornado uma pessoa melhor, por ter salvo a minha Mãezinha.

Amém.

 

 

 

 

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