Querido Brógui,
Programa cachorro também pode ser divertido. Programa cachorro? É. Tipo festa infantil com aquela barulheira infernal, crianças enlouquecidas correndo suadas e descalças por todo o lado, animador gritando no microfone (um dos mistérios indecifráveis da humanidade é por que as pessoas gritam ao microfone. o treco não é pra ampliar o volume da voz? pra quê ficar berrando?) e, invariavelmente um calor insuportável. Bem, se ao menos a comidinha estiver a contento, a chatice pode ser suportada e a vontade de cortar os pulsos controlada.
Como tudo é relativo, o conceito de programa cachorro também varia de pessoa pra pessoa (tem gente que se amarra em acordar cinco horas da manhã pra ir correr debaixo de chuva), varia conforme a época da sua vida (houve um tempo em que eu viajava sem antes investigar a condição de salubridade do local de destino), varia conforme as condições atmosféricas (fila de restaurante, só com os hormônios em dia, com a Lua em Sagitário e se eu estiver em estado de inanição).
A única invariável é que, se a companhia for boa, qualquer programa cachorro vira um programasso, com direito a boas gargalhadas. Bem acompanhado, a gente ri até de fratura exposta.
Ontem, a diversão foi garantida pela companhia de minha comadre, fiel escudeira nas cachorrices da vida. Muito constrangida, fiz a proposta indecente, o convite quase imoral e ela aceitou toda animada. Saí do trabalho, de salto alto, com os dedões do pé prestes a gangrenar, rumo à paradisíaca loja de materiais de construção (que, diga-se de passagem, minha comadre disse adorar. ok, é só dar o remedinho na hora certa e não contrariar.)
Nada como aquele cheirinho de poeira a obstruir suas vias aéreas! Nada como a vista inebriante de pisos e revestimentos, louças e metais! Que felicidade ter que ficar acocorada escolhendo uma ducha higiênica! Isso sem contar o banho de cultura. A sutil diferença entre argamassa e rejunte. A necessidade de um anel de vedação para o vaso sanitário. A existência de uma coisa chamada coluna para lavatório. Tanta coisa interessante, que não sei como sobrevivi tantos anos sem este precioso conhecimento.
O vendedor, corria pra lá e pra cá nos atendendo (e a outros clientes), tentando dar conta de tirar nossas dúvidas, procurar o que queríamos, filtrar nossas conversas paralelas, esperar eu tirar fotos e falar ao telefone. Na hora de fechar a conta, puxei meu lencinho e banhei a mesa do pobre com minhas lágrimas. Ganhei um desconto que deu pra cobrir o frete. Quem não chora,
Na boa? Foi divertidíssimo! Entre uma torneira e outra, fazendo as contas pra economizar mas também não comprar nada muito ordinário, nós rimos, choramos, falamos mal dos homens (sempre, não dá pra evitar), trocamos ideias sobre o futuro da humanidade, rimos mais, tomamos um suquinho de lata, nos abraçamos, fizemos revelações altamente confidenciais daquelas que nem às paredes e, ao final, alma lavada e enxaguada, conseguimos montar um banheiro inteiro.
Horas depois, fim do passeio. Fomos as últimas a sair da loja, com a sensação de menos-um-problema-pra-resolver. Conseguimos, na maior parte do tempo, tirar o foco daquilo que nos incomoda e relaxar um pouco.
Programa cachorro pode ser divertido. Terapêutico. Catalizador de boas energias. E tenho dito.