Querido Brógui,
Há alguma coisa muito errada no cérebro de uma criatura que consegue viajar sozinha para o Leste Europeu, sem falar uma palavra da língua nativa – e ainda assim consegue pedir informações -, que anda pra lá e pra cá, pega ônibus, trem, metrô, avião, barco, encontra todos os lugares que quer, mas não consegue achar o próprio carro no estacionamento do shopping.
É muito intrigante o cérebro da criatura que procura desesperadamente o celular – que está na sua mão – dentro da bolsa ou enche o copo com água e sai de casa com sede ou guarda cuidadosamente o vidro de perfume dentro da caixinha dos óculos.
Há algo de muito estranho no cérebro da mesma criatura cujo trabalho exige um eterno fazer contas, atestar faturamentos, montar planilhas de Excel, que sabe até o número de série de uma copiadora instalada em Cabrobó do Norte, mas não consegue conferir o troco na padaria e nem ao menos lembra quanto pagou pelo quilo do bacalhau que comprou ontem.
No cérebro desta criatura esquisita cabe a leitura de quatro livros ao mesmo tempo, mas não cabe memorizar a execução de um movimento na aula de ginástica. Se forem dois movimentos combinados, piorou. Se tiver que movimentar simultaneamente braços e pernas, começa a exalar um cheiro de borracha queimada: são Tico e Teco tacando fogo na massa encefálica.
Este ser exótico ouve punk rock para poder abafar barulhos externos e conseguir se concentrar nos estudos. Consegue falar ao telefone e responder a uma pergunta de um colega enquanto lê um e-mail, mas não consegue dirigir e conversar ao mesmo tempo. Pula de um assunto para o outro numa velocidade estonteante, mas é capaz de ficar horas em silêncio.
Há algo de muito errado no cérebro desta criatura que vos escreve, que não tem a menor paciência para esperar, mas insiste em ser pontual. Que tem suas coisas milimetricamente desorganizadas e não perde nada. Que não repara em nada, mas percebe muita coisa.
Como funciona o cérebro desta criatura? Sei lá. Só sei que é assim.