Querido Brógui,
Desde bebê, escuto Mamãezinha me dizer: “Esta menina tem bicho carpinteiro”. Sim, desde bebê. Mamãe me enrolava bem direitinho na manta, eu ia dando impulso com as perninhas, empurrando, empurrando, até que conseguia me livrar daquele casulo. Como não conseguia me desenrolar, eu saía por cima. Genial, não?
Bicho carpinteiro? É, Brógui, esta expressão é uma corruptela de “bicho no corpo inteiro”. Metaforicamente, trata-se de uma pessoa irriquieta, agitada, desassossegada, inquieta, que não consegue parar de se movimentar. Como se houvesse bichos fazendo cócegas no seu corpo o tempo todo.
Alguns (muitos) anos se passaram e o bicho carpinteiro ainda habita dentro de mim. E antes que você mande enfermeiros munidos de camisa de força baterem à minha porta (não adiantaria mesmo, me livraria da camisa de força mais rapidamente que Houdini), já vou dizendo que não tem nada a ver com ansiedade, ou psicopatia, ou neurose, ou qualquer outro tipo de “pobrema nos neuvo”. Mesmo quando estou tranquila, não consigo parar quieta. Até dormindo. Pulo na cama, viro de um lado para o outro, acordo descoberta e com frio, acordo procurando cadê o travesseiro que arremessei longe.
Até quando estou fazendo coisas legais, como lendo um bom livro, levanto milhares de vezes, vou ao banheiro, lembro que esqueci de fazer alguma coisa importantíssima no outro cômodo da casa, pego o livro de novo. Se estou num restaurante ou bar com alguém, por mais divertido que esteja o momento, começo a ficar agoniada, não encontro posição confortável para permanecer sentada, estico as pernas, cruzo as pernas, viro de lado, viro de frente. No cinema, a mesma coisa. Nas viagens internacionais, a parte aérea é um suplício porque tenho simancol de que não devo me mexer muito porque incomodo o vizinho – ainda mais na maldita classe econômica, onde praticamente dividimos a mesma poltrona. Então, chego ao meu destino quebrada, cheia de dores musculares e nas articulações.
Mas, embora possa parecer que isto me incomoda, não o faz. Minha inquietação, que não é apenas física, me move o tempo todo. Não crio limo. O meu bicho carpinteiro intelectual me leva a querer aprender sempre cada vez mais coisas – e tudo ao mesmo tempo -, a procurar conhecer o mundo, as pessoas, as músicas, a arte. Viajar para o maior número de lugares possíveis, sozinha, acompanhada, com dinheiro folgado, com pouco dinheiro, de trem, avião, ônibus, a pé. Keeping walking.
Ele, meu bicho carpinteiro, me fez fazer outra faculdade, trocar de emprego, trocar de academia, mudar de escola, comer cada dia em um restaurante diferente, pintar o cabelo de todos os tons possíveis, cortar, deixar crescer e cortar de novo. Comprar uma roupa e depois ficar impressionada com o fato de eu ter tido coragem de usar aquilo. Trocar a armação dos óculos mesmo que não precise trocar o grau deles.
Meu bicho carpinteiro emocional me ajuda a mudar situações que me incomodam, a ser a cada dia uma pessoa diferente, a me reinventar a cada instante – mesmo que, na essência, nada se altere substancialmente -, a procurar ser feliz e largar pra trás as coisas (e pessoas) que me entristecem. Me leva a questionar, a querer entender o mundo, a procurar o sentido da vida e descobrir que não há sentido algum, a não ser viver.
É ele, meu bichinho carpinteiro de estimação que me faz ser prolixa, a emendar um assunto no outro e no final da frase me perguntar por que eu estava falando aquilo. Há toda uma técnica utilizada pelos meus amigos para conseguir acompanhar as minhas narrativas e , se for lento, acaba perdido pelo meio do caminho. Consigo me organizar um pouquinho quando escrevo, embora meus textos sejam repletos de idas e vindas, parênteses e vírgulas.
Adoro meu Bicho Carpinteiro, que, neste momento, ganha letras maiúsculas, ganhando vida e personalidades próprias.