Querido Brógui,
Estou de molho, recuperando-me de uma cirurgia.
Calma! Nada grave, mas prefiro não entrar contar os detalhes – resta-me algum pudor. Só vou contar que não vi nada, entrei no centro cirúrgico, fui amarrada na maca, tomei uma (anestesia) geral e nem vi a cara do médico. Aliás, pensando bem, nem tenho certeza de que foi o meu médico que me operou. E só tenho certeza de que foi retirado o tal do pólipo porque pedi pra ver e me mostraram uma coisa nojenta dentro de um vidrinho. Aliás, pensando bem, nem tenho certeza de que aquilo foi tirado de dentro de mim. Pode ser que eles mantenham aquele vidrinho sempre por perto para o caso de algum paciente fazer o mesmo pedido que eu. Fui pro quarto, tive vertigem, senti umas cólicas, tomei outro treco na veia, apaguei de novo e acordei para um lanchinho – depois de dezoito horas sem comer nem beber, ganhei uns creme crackers e um copinho de suco de caju. O médico passou a visita, receitou umas drogas, apertou a minha mão e me deu alta. Isso merece comentário.
Outrora fazia alguma diferença essa coisa de ter plano de saúde, agora, nivelou por baixo mesmo. Ficamos horas esperando para sermos atendidos, ficamos dias esperando a autorização para um exame, nunca conseguimos marcar nada com urgência, nem temos o direito de reclamar.
Os médicos atendem num padrão produção em série, o que significa que cada minuto gasto é prejuízo. Então, rola uma economia de palavras. Temos que forçar uma barra pra que a comunicação ocorra, senão corre o risco, como aconteceu com uma amiga, de nem dar tempo de sentar na cadeira em frente ao médico. Foi despachada com uma listinha – já pré-preparada – de exames. Já esperei três horas para um atendimento de três minutos. Tenho certeza de que você tem alguma história escabrosa semelhante para contar. Acho até que já conversamos sobre isso antes.
O mesmo raciocínio aplica-se ao hospital, que me deu um pé o mais rápido possível e o anestesista que nem apareceu pra cobrar, mandou uma assistente com o recibo para eu pleitear o reembolso – cujo valor fica a critério do plano de saúde. A propósito, outra coisa bizarra: o preço da anestesia seria um se eu tivesse ficado na enfermaria e outro, mais caro, obviamente, porque fiquei em quarto particular. Pergunto eu: o que tem a ver o tatu com as calças? A anestesia por acaso é dada dentro do quarto? A quantidade de anestésico dada ao paciente de enfermaria é menor? Ou supostamente eu tenho mais dinheiro e posso suportar uma facada maior?
Não sei se a culpa é das operadoras de plano de saúde, dos médicos, dos hospitais, da ANS e também não quero saber. O fato é pagamos o pato – caríssimo, por sinal – pela incompetência do Estado em nos prover do direito básico – garantia constitucional – à Saúde.
Enfim… Não era nada disso que eu pretendia falar, mas você já está acostumado com as minhas viagens mentais. O que eu queria mesmo era dizer que, passados quatro dias, já estou de saco cheio de ficar em casa sem fazer nada.
Já li dois livros, já dormi, já comecei a planejar minhas férias em julho. Li o jornal de ponta a ponta e fiquei deprimida. Comprei uma jaqueta de jeans pela internet. Descobri que os taxistas da República Tcheca enganam os turistas – bom saber que a pilantragem não é um privilégio brasuca. Descobri que na Hungria a moeda é o florim e que o Chipre realmente tá na m. Tá nevando em Dublin e secando no Recife. Liguei a televisão. Vi, pela primeira vez, o tal do coreano com sua música ridícula e sua coreografia idem – confesso que fiquei um pouco constrangida por ele, tamanho mico que ele se propôs a pagar. Vi um programa de uma hora, em francês, ensinando a plantar cenouras na areia da praia – não, eu não sei falar francês e não, não pretendo plantar cenouras. Acompanhei a emocionante disputa do campeonato mundial feminino de curling – aquele no qual os competidores fazem uma pedra de granito deslizar no gelo. Vi as novidades no São Paulo Fashion Week – basicamente, roupas que nenhuma pessoa normal usaria a menos que estivesse sob o efeito de entorpecentes. Assisti a uma entrevista em alemão com um cara que ama esportes radicais – não, não falo alemão e nem pretendo pular de uma montanha pendurada numa cordinha e usando asas de morcego. Assisti um show de um músico sérvio – muito bom por sinal, pena que o nome dele é impronunciável e eu não anotei pra indicar para você. Comi toneladas de batata frita e chocolate. Para completar, só para você ter uma ideia de como cheguei ao fundo do poço, na falta de coisa melhor, comecei a fazer minha declaração de imposto de renda. Deprimi de novo.
Por favor, ajudem-me! Venham me visitar – virtualmente, pessoalmente, pelo telefone, qualquer coisa! Sinto que, pelo andar da carruagem, mais três dias de repouso farão com que eu comece a jogar videogame. Aí, danou-se!