Fatinha

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Educação funciona sim.

In humor on 08/10/2012 at 10:08 AM

Querido Brógui,

Ser professora não é de todo uma vida de derrotas. Por várias vezes pensei acerca disso e hoje resolvi compartilhar com você minhas ideias. Metade da minha vida passei dentro de uma sala de aula e você conhece boa parte das situações estressantes, as quais eu atribuo meus precocemente cabelos grisalhos. Entretanto há as vitórias, os alunos com os quais tropeço pela rua e me contam suas histórias de sucesso, de avanço e melhoria na vida. E, a cada esbarrão, fico feliz em ver que fazem questão de falar comigo, me abraçar, dar notícias e vejo a alegria nos seus olhos ao rever uma pessoa que faz parte de um passado que contém boas lembranças.

Já passaram por mim centenas de alunos, a maior parte deles nem sei que fim levou. Outra parte sei, e não foi um fim feliz – muitos até já morreram. Com outra parte ainda mantenho contatos esporádicos, dentro das possibilidades que nossa vida atribulada permite. Ontem, após cumprir meu dever cívico, me encaminhava para casa quando escutei uma moça gritando o meu nome. Parei, olhei e a vi atravessando a rua correndo, arrastando uma criança pela mão. Não a reconheci, afinal, quando a vi pela última vez ela tinha uns dezoito anos, no dia do seu casamento, do qual fui madrinha. Não tá me conhecendo? Eliane! Conheci a voz e me veio a lembrança dela, uma mocinha ainda, a melhor aluna da sala, numa turma de adolescentes completamente ensandecidos que tive lá no Morro do Pau da Bandeira.

Eliane me ajudou muito com aquela turma de loucos. Ela era a representante da turma e minha aliada na tarefa de mantê-los vivos, dentro da sala, quando possível, sentados. Morava no morro e seu sonho era sair de lá e ir pro asfalto. Conseguiu. Acabou os estudos, fez curso técnico, trabalha na equipe de enfermagem de dois hospitais, está casada há quatorze anos com o mesmo marido e tem dois filhos. A menina está no CAP da UERJ e o menino no Pedro II – bons colégios, pra quem não conhece. Só tiram nota acima de oito, como ela fez questão de me informar. Fala pra ele, Fátima, fala que eu tirava dez em Português! Fala que eu era atleta medalhista! Fala que eu sabia Matemática e meu caderno era o mais bonito da sala! E eu repetia o que ela dizia, enquanto ela passava as mãos na cabeça do seu filho e seus olhos brilhavam de orgulho. Ganhei meu dia com esse encontro.

A vida deles é mais difícil? Sem dúvida. Eles têm que fazer um esforço extra? Sem dúvida. Têm menos oportunidades? Sem dúvida. Não obstante, brigam pelo que querem, suam a camisa, enfrentam as adversidades com determinação e, afinal, conquistam. Assim são meus alunos que provam que há saída para a miséria, que estudar vale à pena, que as vitórias sofridas são as mais gostosas. Às vezes demoram um pouquinho mais, mas não desistem.

Michelle é professora e está classificada para a segunda fase da UERJ, Jorge trabalha na Petrobrás, Sandra faz faculdade de moda, Érika, engenharia na PUC, Marquinhos é estoquista-chefe de uma loja, Neide vai se formar esse ano, Léa está cursando enfermagem, Waltinho começou varrendo o chão da ótica e agora é gerente comercial. São os que encontrei mais recentemente, mas há outros. Não tantos quanto eu gostaria, mas há. Pessoas maravilhosas que traçaram seu destino, marcaram uma reta no chão e seguiram.

Esse post é uma homenagem minha aos meus alunos guerreiros, que acreditam na educação como alavanca para um futuro melhor. Homenageio também meus colegas professores. Não salvamos todas as almas perdidas – até porque há aquelas que não querem ser salvas-, mas as que salvamos compensam todos os cabelos brancos.

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