Querido Brógui,
Ando tomando vitamina C todos os dias pela manhã pra ver se driblo o tempo frio. Conforme pude comprovar empiricamente, o frio carioca é infinitamente mais assassino que o frio europeu. Pegar temperaturas beirando o zero – um pouco mais, um pouco menos – não me causaram grandes contratempos além de eventualmente ter que assoar o nariz congelado. Não pelo nariz congelado propriamente dito, mas segurar lencinho de papel com luvas exige uma certa maestria.
Há dois dias atrás fui retocar a tintura da raiz dos meus cabelos. Já pensei inúmeras vezes em rapar a moita toda com um aparador de grama e deixá-lo à vontade, grisalho mesmo, só pra me alforriar, mas a vaidade me impede – por enquanto. Como estou órfã de cabeleireiro, já que o meu sumiu sem deixar rastros, marquei hora num salãozinho meia-bomba que tem aqui perto de casa. Ao menos pouparia tempo de deslocamento, pensei eu. Ledo engano.
Já comecei a me descompensar quando tive que esperar meia hora até que a moça acabasse de fazer uma escova em outra cliente. O negócio já começou mal, devia ter lido e interpretado os sinais divinos, mas ainda encontro-me na fase do analfabetismo funcional nessa área. É impressionante como os horários – quaisquer horários – são sistematicamente desrespeitados com uma naturalidade singela, como se fosse a coisa mais normal do mundo deixar alguém esperando, como se esse alguém não tivesse mais nada pra fazer além de ficar à sua disposição. Taí uma coisa que amo na Europa. Os relógios lá são usados não apenas pra enfeitar.
Bem, finalmente fui atendida e disse à moça exatamente o que eu queria: retoque de raiz na cor do meu cabelo. Nenhuma presepada, nada de reflexos, luzes, abrir o tom, fechar. Nada. Mete um castanho aí e estamos conversadas. Ela aplicou a tinta, esperei, enfrentei galhardamente o lavatório que só dispunha de água gelada e, findo o processo, verifiquei que meus cabelos haviam ficado manchados. Os inimigos, como chamo os cabelinhos brancos, nem tchum. Ela se dispôs a retocar o retoque, mas já era tarde e eu ainda tinha que ir dar aula. Secou o cabelo mais ou menos, corri pra casa e fiquei de voltar no dia seguinte para que ela consertasse a caca que fez.
No dia seguinte, como se eu não tivesse duas toneladas e meia de provas pra corrigir, me enfiei de novo no salão. Puxa daqui, olha dali, serviço feito, cabeça lavada novamente com água gelada, os cabelos ficaram pretos como as asas das graúna.
Saldo final da empreitada: couro cabelo coçando – deve estar todo queimado de tanta amônia que levou dois dias seguidos – nariz entupido, garganta doendo e aparência de Mortiça da Família Adams. Da próxima vez faço em casa mesmo, como sempre o fiz. Manchado por manchado, pelo menos no meu chuveiro tem água quente.