Querido Brógui,
Quebro meu prometido silêncio por dois motivos: para tranquilizar a parentada que mora fora do Rio e por ter me mancado depois de levar puxões de orelha da Helena e da Escrevinhadora.
Eu estava na academia no dia da chuvarada. Tentei sair do shopping e saquei que alguma coisa estava errada quando me vi num engarrafamento ainda dentro do estacionamento. Dei meia volta, peguei um cineminha e finalmente consegui voltar pra casa. Dei de cara com alguns bolsões d’água, mas nada fora do normal, isso acontece todas as vezes que chove. Até esse momento, não tinha noção do que estava se passando no restante da cidade. Pela televisão, vi que a cidade estava inundada, mas não dimensionei a coisa.
No dia seguinte, saí para trabalhar e voltei do meio do caminho quando vi carros voltando pela contramão em plena Radial Oeste. Na volta, pouquíssimos veículos na rua. Foi então que percebi que algo de muito esquisito havia acontecido. Liguei a televisão e vi a desgraceira que estava. Só nesse momento é que caí na real, que os estragos eram bem maiores do que supunha minha vã filosofia.
Contudo, fui felizarda. Ouvi relatos de pessoas que dormiram no ônibus, só conseguindo entrar em casa às quatro e meia da manhã, pessoas que andaram pela lama tentando chegar no trabalho, outras que perderam o carro pelo meio do caminho, outras que dormiram dentro de caixas eletrônicos de banco e por aí vai.
Não houve aulas na terça e na quarta. Na terça porque ninguém conseguiu chegar a lugar algum, vindo de parte alguma. Na quarta foi decretado feriado escolar para desafogar o trânsito, possibilitar a meia-sola que deram nos lugares mais atingidos e também para permitir o deslocamento do pessoal do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil. Quinta feira fomos para a escola, mas não houve aula porque estava inundada ainda, cheia de lama, coisa óbvia, já que fica localizada na Praça da Bandeira, local devorado pelas águas, o que ao que parece, a Secretaria Municipal de Educação não sabe. Hoje não tinha luz, como em todo o entorno. Ainda assim, o professorado ficou lá, cumprindo horário no escuro e rezando para a água não acabar. Não fomos autorizados a ir embora, aparentemente porque como não precisamos fazer fotossíntese, pra que luz e água?
Como saldo final, temos ruas transformadas em um mar de lama e lixo. Qualquer gotinha de água que cai do céu o povo entra em pânico. De vez em quando falta luz e o estabilizador do meu computador vai pedir as contas a qualquer momento. Morros desmoronaram, pessoas morreram soterradas e os donos do poder ficam empurrando a culpa pra cima de São Pedro e da Fundação Cacique Cobra Coral. A propósito, que governo sério faz um convênio com uma fundação mediúnica para avisar quando a coisa vai ficar preta? Também culpam o povinho porcalhão que entope as galerias de águas pluviais com lixo – o que é verdade – e os favelados que constroem suas casas em áreas de risco – o que seria responsabilidade do governo impedir, mas ao invés disso faz obras populescas de urbanização, como a do lixão de Niterói.
No mais, tudo está normal. Hoje até teve tiroteio do Morro dos Macacos…