Querido Brógui
Como toda mulherzinha que se preza, adoro sapatos. Não compro tantos quanto gostaria, embora compre bem mais do que precisaria.
Sendo assunto de interesse vital para mim, acompanhei as novidades apresentadas na feira de calçados e acessórios que está acontecendo em São Paulo. Você com certeza viu na televisão a matéria que mostra o escarpim com uma lixa de unha embutida no salto, que, usando as palavras do fabricante, “permite que a consumidora conserte a unha quebrada discretamente, só cruzando as pernas”.
A primeira coisa que me veio à cabeça foi o Agente 86 e seu sapatofone. Há décadas atrás, Mel Brooks ridicularizou a possibilidade de imbutir traquitanas no salto dos sapatos. Lembra? Não sabe do que estou falando? Tudo bem, tente ver a reprise no canal 91.
Depois, fiz uma simulação mental do uso da lixa no salto e seus prováveis complicadores, afinal, tenho que prestar esse serviço de utilidade pública. Você pode reproduzir meus experimentos para confirmar ou não minhas brilhantes conclusões.
Tente esfregar uma de suas unhas no salto do sapato e veja se a manobra é assim tão discreta. Tá bem, você é macho, não usa salto alto nem tem unha grande, então esfrega o dedo na sola do sapato, só pra testar. Conseguiu? Parabéns, você é uma pessoa dotada de uma certa flexibilidade. Mas, e quanto ao quesito discrição? Jura que ninguém ficou olhando pra você com cara de pena por parecer que você adquiriu um novo tique nervoso? Ninguém o chamou de porco porque estava colando catota na sola do sapato? Então, tá.
Agora, imagine que você é possuidor de uma barrigueta pronunciada, uma pancinha. Eu sei que não é o seu caso, sua barriguinha parece um casco de tartaruga, só estou pensando em todas as possibilidades. Para poder levar adiante o teste, pegue o seu travesseiro, coloque no colo e tente executar a manobra número um. Conseguiu? Duvido. Só se seu braço for elástico e mesmo assim você não teria contato visual com o salto do sapato e/ou com a sua unha, o que levaria à necessidade de colocar um espelho acoplado no outro pé do sapato. Essa minha experiência me faz concluir que o tal sapato não foi projetado para gordinhas, o que é uma afronta aos direitos humanos, sem considerar a forte carga de preconceito imbutida. Um absurdo!
Entretanto, desprezados todos esse obstáculos, você realmente considera essa ideia uma boa ideia (escrevi duas vezes procê se ligar que “ideia” não tem mais acento, ok?). Compra o tal do escarpim, vai pra Lapa e, na primeira esquina, pisa num baita de um excremento de cachorro, padrão dog alemão. Seu salto com lixa afunda por inteiro. Nesse momento, ao se apoiar em um muro para limpar o salto, sua unha quebra. E aí? Vai lixar a unha? Vai cravar o salto do sapato na testa do dono do cachorro? Vai se matar? E agora, José?