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Avaliação da Rede Pública Municipal do Rio de Janeiro

In humor on 10/04/2009 at 1:51 AM

Querido Brógui

 

Em caráter excepcional, publico aqui um texto que não é de minha autoria, referente à recente aplicação das provas de Português e Matemática na Rede Pública Municipal da Cidade do Rio de Janeiro.

Como você deve saber, aqui na Cidade Maravilhosa foi estabelecida há dois anos a aprovação automática dos alunos da Rede, podendo apenas haver a retenção (não pode falar em reprovação porque traumatiza o aluno) no 6º e 9º anos (antigas 5º e 8º séries). Com isso, o aluno ia sendo empurrado de um ano para outro ainda que seu aproveitamento fosse lamentável.

Você sabe também que, com raríssimas exceções, funcionamos sob pressão. Estudamos na escola ou nos empenhamos com afinco no trabalho, porque seremos avaliados e eventualmente reprovados se não atingirmos uma meta pré-estabelecida. Assim é a vida: temos que apresentar resultados.

Mais consistentes ainda ficam minhas palavras se pensarmos que estamos tratando de crianças e adolescentes que, em sua maioria, não têm o discernimento necessário para perceber que o ideal é estudar porque isso é bom pra eles, pro seu crescimento e para sua vida futura. Estudar, aprender, é muito legal. Muitos adultos não têm essa compreensão (infelizmente), que dirá o alunado da rede pública, que nem com o estímulo familiar contam (mas isso é outra história).

Afora isso, a Rede Municipal ensinou aos alunos que tudo bem, você não precisa estudar, nem ter caderno, nem prestar atenção às aulas, nem respeitar os professores, basta tomar cuidado para não faltar muito (único motivo possível para retê-los no ano). Tudo bem, querido aluno, você não vai mover uma palha por você mesmo e ainda assim vai ter como prêmio sua promoção para o ano seguinte. A vida é bela, tudo virá às suas mãos assim, de graça, sem esforço, sem dedicação, sem compromisso. É tudo muito fácil.

Passados dois anos, colhemos os frutos da aprovação automática, frutos esses podres ou quase isso. Daí, mudou o governo, mudou a política educacional, mudou o paradigma e veio novamente à tona a tal da meritocracia, que, a grosso modo, significa que devemos aplaudir o desempenho do aluno devidamente comprovado através de avaliações. 

Não sei como isso vai funcionar, nenhum professor sabe, porque somos “comunicados” acerca das mudanças de um dia para o outro e, os planos mirabolantes, muitos inexeqüíveis, são pensados por pessoas que estão a quilômetros de distância de uma sala de aula (ou pior, por pessoas que nunca foram professoras, como a Secretária de Educação).

Veio a primeira avaliação realizada no dia 19 de março e os resultados foram de chorar no cantinho. Mais triste ainda é que nem precisava fazer o tal “provão” para saber o seu resultado. A Secretaria de Educação poderia ter pedido a qualquer professor da Rede para fazer uma avaliação da herança maldita da aprovação automática que este o faria com propriedade. Isso nos leva ao texto “colado” abaixo, cuja autoria desconheço, mas que retrata fielmente o que se passou.

 

CORREÇÃO NUMA ESCOLA : QUANDO PROFESSOR FAZ TRABALHO DE COMPUTADOR

 

À Sra. Secretária de Educação Claudia Costin

Nós, professores da Escola Municipal XXXX,   gostaríamos de manifestar através desse e-mail nossa indignação por conta das obrigações atribuídas aos professores desta rede de ensino no que diz respeito ao preenchimento dos quadros dos resultados da   prova de revisão instituída por esta secretaria. 

Contar o nº de   acertos por aluno, turma, por cada questão e, além disso, fazer uma média da turma, uma média só de matemática, uma média só de português   e ainda as opções escolhidas por cada aluno no questionário foi com   certeza uma afronta aos profissionais desta rede de ensino.  Mesmo contrariados, somente por uma questão de profundo respeito, parceria e  carinho pela direção da escola resolvemos colaborar na confecção dos  dados estatísticos.

Gostaríamos, além disso, (já que falamos em   estatística) de colocar a sua disposição mais alguns dados. Nossa   escola possui exatos 1449 alunos o que gerou 21.735 questões de   português e outras 21.735 questões de matemática perfazendo um total   de 43.470 questões, mas isso são apenas informações superficiais,  tentaremos colocar a senhora dentro do caos que foi a elaboração   destes dados para esta secretaria, mas tenha paciência pois a leitura   do texto poderá se tornar tão enfadonha quanto o trabalho que nos foi   dado.

A contagem horizontal que verificava o nº de acertos dos Alunos   gerou 1.200 operações, a vertical que verificava o nº de acertos por   questão gerou também 1.200 operações, mas tínhamos ainda que fazer a   média. Foram 3.600 operações por turma. Só mais um pouco de paciência   (nós a tivemos) porque a tortura continuou com a ficha de controle que   gerou para português 600 operações e mais 600 para matemática (ficha   de controle = 1.200 operações).

            Para finalizar, tínhamos o questionário  que gerou mais 400 operações por turma. Fechando os dados estatísticos  atingimos o incrível nº de 5.600 operações por turma totalizando para esta escola a extraordinária soma de 212.800 operações para gerar os dados que a secretaria de educação solicitou. Todo esse trabalho no  curto período de três dias tendo que garantir o dia letivo, além de   estarmos próximo ao 1º conselho de classe que acontecerá dia 25.

            Esperamos para as próximas avaliações, maior   organização por parte desta secretaria e estratégias mais coerentes,   garantindo ao professor o direito de exercer sua função de educador e   não de estatístico. Acreditamos que um simples cartão resposta   resolveria esta questão.

Desde já reiteramos nossa profunda indignação quanto à maneira com que   o profissional de ensino desta rede foi tratado.” 

 

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